É preciso fortalecer as políticas públicas do parto humanizado, fazendo cumprir o que a legislação já determina
A experiência do nascimento de um filho produz reações emocionais definitivas na vida de uma mulher. Esse momento pode vir acompanhado de satisfação, no qual seus anseios são alcançados e com isso os laços maternos e familiares são estreitados; mas pode vir acompanhado também de extrema decepção, frustração e desrespeito, sentimentos esses que podem acompanhar a vida da mulher por muito tempo.
O que irá definir essa experiência? A maneira como sua gestação e seu parto serão conduzidos.
Não é incomum as mulheres definirem seus partos como momento de sofrimento, dor, desespero e desrespeito. Nesse contexto, surgiu o termo de violência obstétrica. Muito diferente do que se pensa, práticas de violência já foram vivenciadas por muitas mulheres, achando que isso fizesse parte desse momento. Aqueles momentos que colocam um “sorinho” em você para ajudar nas dores, ou fazem um “cortezinho” para ajudar seu bebê sair, ou “o homem não pode ficar aqui com você”, impedindo a presença do pai no nascimento do próprio filho.
Todos esses “pequenos” exemplos são violações aos seus direitos, violências ao seu poder de escolha, a quem estar com ela em um momento tão importante, desrespeito à integridade do seu corpo.
Consideramos expressões de violência a negligência na assistência recebida, a discriminação social, o desrespeito verbal, físico ou psicológico, o uso de procedimentos sem sua autorização, ferindo os direitos individuais da mulher.
De acordo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 1996, o parto deve ter início de forma espontânea, não induzida, devendo a mulher possuir a liberdade de se movimentar e o direito de receber suporte contínuo durante o trabalho de parto, tais como monitoramento do coração do bebê, alimentação, adoção de posições que se sinta bem, respeito à privacidade e presença de acompanhantes, além de evitar intervenções de rotina
desnecessárias. Todo cuidado deve ser individualizado e não deve ocorrer separação de mãe e bebê imediatamente após o parto.
PROGRAMA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO NO PRÉ-NATAL E NASCIMENTO (PHPN)
Para minimizar todos esses problemas, diminuindo sequelas e a mortalidade materna e neonatal, foi instituído no Brasil, em 2002, o Programa Nacional de Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN). O principal objetivo do programa é assegurar a melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento pré-natal, da assistência ao parto e pós-parto às gestantes e ao recém-nascido, na perspectiva dos direitos de cidadania.
O programa é baseado em dois pontos principais: o primeiro trata sobre as instituições de saúde que devem receber com dignidade a mulher, seus familiares e o recém-nascido. Para isso, é necessária atitudes éticas por parte dos profissionais de saúde e a organização da instituição de modo a criar um ambiente acolhedor e a instituição de práticas hospitalares que rompam com o isolamento imposto à mulher.
O outro se refere à adoção de medidas benéficas para o acompanhamento do parto e do nascimento, evitando intervenções desnecessárias, que embora tradicionalmente realizadas não beneficiam a mulher nem o recém-nascido, e que com frequência acarretam mais riscos para ambos.
Melhorias existem, de fato, desde que o programa de humanização foi estabelecido, mas muito precisa ainda ser feito. Falta de investimento no profissional, falta de verba para melhorias nas maternidades, superlotações e a própria resistência do profissional a sair do tradicionalmente utilizado são algumas das dificuldades ainda enfrentadas nesse processo de melhoria e humanização do parto.
Dessa forma, devemos saber que existem práticas comprovadamente úteis, como a alimentação e movimentação durante o trabalho de parto, respeito à escolha do acompanhante e respeito à privacidade. Práticas simples, com custo baixo, mas que passam a enxergar a mulher como protagonista do momento, no qual juntamente com seu acompanhante possam viver aquele momento da melhor maneira possível.
Saber também que tudo isso é direito da mulher e da sua família, conquistas que devem ser exigidas, pois são todas amparadas pela lei, é algo muito importante.
Segue abaixo algumas das leis que amparam a Humanização do Parto e Nascimento:
- Portaria GM/MS n.º 569 de 1/06/00 – Institui o Programa
- Portaria GM/MS nº 570 de 1/06/00 – Estabelece incentivos Componente I
- Portaria GM/MS n.º 571 de 1/06/00 – Define o Componente II
- Portaria GM/MS n.º 572 de 1/06/00 – Pagamento do Parto
- Portaria GM/MS n.º 9 de 5/07/00, republicada em 01/09/00 – Define o Termo de Adesão
- Portaria GM/MS n.º 356 de 22/09/00 – Define o Sistema Regulatório e Destinação de Recursos para investimento na rede hospitalar.
- Portaria Conjunta n.º 27 de 03/10/00 – Fixa os limites por Unidade da Federação, para financiamento pelo FAEC, dos adicionais relativos aos procedimentos da Portaria GM/MS n.º 572/00.
Conhecer o seu direito, para assim poder viver esse momento único de forma prazerosa e inesquecível é fundamental também para uma experiência de saúde que valoriza a vida humana. Portanto, como profissional de saúde ou como futura atuante na esfera pública, caso eleita esse ano, entendo que devemos fortalecer as políticas públicas do parto humanizado, fazendo cumprir o que a legislação já determina e ampliando nossas possibilidades. Fazer isso é valorizar a vida das mulheres, sobretudo, em um momento tão inesquecível como esse, que é o momento do parto.
Marisa Lobo possui graduação em Psicologia, é pós-graduada em Filosofia de Direitos Humanos e em Saúde Mental e tem habilitação para Magistério Superior.
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