Para OAB, entidade que oferece o serviço faz captação de clientes médicos para advogados, o que fere código de ética da advocacia
Cremego orienta contra 'blindagem jurídica para erros médicos’ (Foto: Reprodução / Internet) |
O Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego) deve emitir uma resolução nos próximos dias em que orienta médicos sobre a oferta de serviços de blindagem jurídica contra ações por erro médico. A informação foi confirmada pelo presidente do Cremego, Leonardo Mariano Reis. Uma entidade que oferece os serviços a médicos foi obrigada pela Justiça Federal de São Paulo a interromper as atividades, após uma decisão liminar.
A Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética (Anadem) tem corretores e captadores de associados que vão até consultórios médicos e oferecem aos profissionais da área o seguro e a garantia de que tenham a defesa jurídica em caso de qualquer processo por eventual erro médico. A Ordem dos Advogados do Brasil – Sessão Goiás (OAB-GO) entende que a oferta do serviço é captação de clientes e fere o Código de Ética e Disciplina do Advogado.
Uma advogada que se especializa na área de Direito Médico falou com a reportagem do Mais Goiás. Sem se identificar, ela diz que atua em Jataí e Itumbiara, e foi abordada por pessoas ligadas à Anadem, que buscavam captar advogados. “Eles queriam montar parcerias com escritórios desta região, para quando houver algum processo de um dos associados deles, remeterem ao escritório para que faça a defesa. Sei também de médicos que foram abordados por esse grupo de pessoas para se associarem. No caso, eu não aceitei levar adiante a discussão, por acreditar se tratar de uma captação de cliente para advogados,” disse.
“É claro e evidente que a Anadem faz captação de clientes, e isso fere o código de ética do advogado. Eu tenho conhecimento dessa ação de São Paulo, muito bem elaborada, com argumentos incontestáveis, que revelam a prática. Em Goiás, estamos com uma peça pronta e elaborada por três comissões da OAB-GO que servirá como petição inicial de uma Ação Civil Pública com o mesmo teor”, disse o presidente da Comissão de Combate à Captação Ilegal de Clientela, LCardosouciano Cardoso.
Caso comprovada a ação, segundo o presidente da Comissão, os responsáveis, por meio de pessoa física, e a própria Anadem, como órgão jurídico, podem responder na justiça e na própria Ordem. “Um processo administrativo pode ser aberto, por exemplo, e pode até acarretar na suspensão ou impedimento do exercício profissional”, conta Luciano .
A Lei 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) estabelece no 34º artigo, quando discorre sobre as infrações disciplinares: “angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros”, sendo assim, segundo a OAB, há impedimento de que outra pessoa ou órgão, mesmo não sendo advogada, busque causa ou cliente para um advogado.
O Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, de 1995, estabelecido para determinar os “imperativos da conduta” profissional, limita ao operador do Direito, no 7º artigo: “É vedado o oferecimento de serviços profissionais que impliquem, direta ou indiretamente, inculcação ou captação de clientela.”
O que é oferecido
O Mais Goiás teve acesso ao que é apresentado ao médico durante a abordagem da Anadem, considerada pela OAB como captação de clientes. Uma cartilha apresenta os planos em texto imperativo: “Trabalhe protegido: Com uma pequena mensalidade, você passa a contar com a maior rede de proteção jurídica do País.”
As modalidades de adesão são diferenciadas por grupos de especialistas. O capital segurado é de R$ 500 mil reais, e as mensalidades variam de acordo com a especialidade clínica do médico: De R$ 468 a R$ 702, sendo o Grupo 5 o de maior valor mensal, destinado para cirurgiões plásticos, mastologistas e ginecologistas obstetras.
Enfermeiros, cirurgiões dentistas, técnicos em enfermagem e outras áreas também podem aderir à ‘blindagem jurídica contra processos por erros médicos’, e os valores desses seguros mensais variam de R$ 258 a R$ 71, conforme apresentado no conteúdo da cartilha de apresentação da Anadem a que o Mais Goiás teve acesso por meio de um médico de Goiânia que ficou com o material após receber uma visita de um corretor da Anadem.
A cartilha ainda apresenta as “vantagens” de ser um associado: “Plantão jurídico permanente, com atendimento em qualquer área que o associado precise,” além de oferecer assistência jurídica para futuros casos de erros médicos que acarretem em ações judiciais de pacientes contra médicos: “cobertura para danos corporais, materiais, morais, estéticos e existenciais.”
“É uma entidade que vende seguros de erros médicos travestida de associação”, diz o presidente do Cremego, Leonardo Mariano Reis. Ele conta já ter tido conhecimento de médicos abordados pela instituição, e orienta profissionais a não permitirem esse tipo de vínculo: “O conselho sempre orientou evitar qualquer vínculo com esse tipo de associação, porque o médico vai fazer o melhor para o paciente e, portanto, é um serviço não de fim, e sim de meio, e trabalhamos buscando o bem do paciente, e não o erro.”
Leonardo Reis conta que a Câmara Técnica de Direito Médico, através de uma Resolução, deverá criar nos próximos dias um documento para que todos os médicos de Goiás tenham acesso, orientando sobre essa premissa de que o médico não pode trabalhar com esse tipo de ideologia preventiva. “Será um documento que orienta ao médico não aderir a esse tipo de plano, ou seguro, porque não dá garantia nenhuma aos médicos.”
O Mais Goiás entrou em contato com a Superintendência de Seguros Privados (Susep), para questionar se a Anadem é entidade credenciada para oferecer seguros privados através de vendas, e a resposta foi negativa. O delegado representante do Sindicato dos Corretores e Empresas Corretoras de Seguros no Estado de Goiás (SINCOR-GO), Hailton da Costa Neves, informou que nos dados do Sindicato, em Goiás, não existem impeditivos de atuação da Anadem. “Ao que temos conhecimento, após pesquisas realizadas, não existem impedimentos do trabalho.”
A reportagem entrou em contato com o presidente da Anadem. Pelo telefone, o advogado Raul Canal desqualificou a decisão da juíza Marisa Claudia Cucio, da Justiça Federal de São Paulo, do último dia 15: “É uma decisão equivocada. Qualquer sindicato oferece assessoria jurídica ao conveniado. Nós não temos advogados, apesar de termos uma diretoria jurídica, temos convênios com escritórios e encaminhamos nossos associados a esses escritórios.”
Sobre o que a Anadem oferece, Canal informou: “É uma blindagem jurídica e securitária, e o valor da adesão é de acordo com a especialidade que os conveniados têm.”
Após o contato telefônico, a Assessoria de Comunicação da Anadem encaminhou ao Mais Goiás uma nota, e o conteúdo segue integral
Mais Goiás
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