Imagine o dramático cenário: você, num quarto de hospital, toca o telefone. Do outro lado da linha, o médico informa que os resultados dos exames que lhe concederiam a alta não foram nada bons. “Parece câncer. E parece grave. Muito grave”, diz o doutor. “Precisaremos fazer mais alguns procedimentos para comprovar se é isso mesmo”, afirma. No susto, você, sem hesitar, não apenas acredita que a situação é a pior possível como também concorda em pagar o valor informado pelo “médico”, que pode variar entre R$ 2 e R$ 15 mil. “Afinal, minha vida está em risco”, você pensa.
Sabendo que a maioria das pessoas se comporta exatamente dessa forma quando o assunto é o estado entre a vida e a morte, bandidos têm se aproveitado da fragilidade de pacientes em situação de internamento em diversos hospitais de Curitiba e “ressuscitado” um golpe antigo na praça. Se passando por médicos, os oportunistas solicitam falsos exames cujos valores estratosféricos devem ser depositados com urgência, sob falso risco do estado de saúde da vítima se agravar, ou, até mesmo, do pior acontecer.
Para Mayara Stubert, 31, o susto aconteceu no mês passado. Perto de fechar os nove meses de gestação, a auxiliar financeira precisou correr para o Hospital Nossa Senhora de Fátima, no Centro de Curitiba, após um episódio de pressão alta. Por precaução, ela foi encaminhada ao internamento até que saíssem os resultados de alguns exames solicitados pela obstetrícia da unidade. Tudo ia bem, até que o telefone do quarto tocou. “O rapaz do outro lado da linha se identificou como responsável pelo laboratório do hospital. Ele disse que meus exames deram suspeita de leucemia e que o corpo clínico já estava ciente da situação”, lembra. E a história continuou bastante convincente. “Afirmando que meu plano não cobria os exames complementares, ele informou que, para confirmar o resultado, o hospital precisaria alugar um equipamento especial cujo valor diário era R$ 15 mil. Eu desliguei o telefone e comecei a chorar”, revela.
Por sorte, a família de Mayara agiu rapidamente e contatou a administração do hospital, que desmentiu a situação. “Meu marido imediatamente foi atrás de esclarecimentos e a gerência da maternidade afirmou que aquilo se tratava de um golpe”, disse. Depois do susto, um único sentimento: indignação. “Me vi vulnerável porque eles sabiam meu nome, número do quarto e plano de saúde. Não fosse a sagacidade do meu marido eu, com certeza, teria caído naquela conversa”.
Infelizmente, nem todo o mundo teve a mesma sorte. Os últimos dados levantados pela Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Paraná (Fehospar) apontam que 12 boletins de ocorrência foram registrados na Delegacia de Estelionatos e Desvio de Cargas de Curitiba no período entre o fim de 2013 e início de 2014 quando os golpes estavam “bombando”. Acredita-se, porém, que o número seja bem maior, já que nem todo o mundo recorre às delegacias para denunciar esse tipo de ocorrência.
Histórico
Conforme explica o presidente da instituição, Renato Merolli, o golpe surgiu em 2011 e, mesmo conhecido, continua sendo aplicado com frequência em todo o Brasil. Por meio de nota encaminhada à Tribuna, ele descreve como as abordagens costumam acontecer. “Os golpistas obtêm informações sobre pacientes que se encontram em período pós-operatório e fazem contato a partir do telefone do quarto de internamento. Fazendo-se passar por médicos, tranquilizam a vítima sobre o procedimento realizado, dizendo ser imprescindível o uso de medicamentos importados, por exemplo. O valor é negociado conforme a reação do paciente, com vários contatos feitos a partir de então entre as partes via celular”, esclarece.
Golpe baixo
De acordo com o delegado titular da delegacia de estelionatos de Curitiba, Leonardo Carneiro, o “golpe do falso médico”, apesar de menos frequente nos últimos anos, ainda têm feito vítimas em Curitiba. Semelhante ao antigo “golpe do sequestro”, a ação é praticada por criminosos de perfil bastante similar. “Normalmente são pessoas que realizam as ligações de dentro das próprias carceragens. Dos casos apurados pela nossa equipe, grande parte tem essa procedência, porém é difícil traçar um perfil exato dos criminosos”, afirma.
A técnica utilizada pelos bandidos, segundo Carneiro, é sempre a mesma. “Em quase 100% dos golpes, eles se aproveitam de pessoas em situação de emergência”, pondera. Segundo o delegado, a melhor prevenção é estar consciente a respeito da praxe hospitalar e buscar esclarecimento sempre que situações como essa acontecerem. “A recomendação é de que quando alguém fizer algum contato nesse sentido, o paciente ligue para a administração do hospital e se informe, antes de qualquer coisa.
Vale lembrar o paciente de jamais fornecer dados pessoais por telefone e avisar o médico responsável imediatamente para que a instituição tome as procedências adequadas”, finaliza.
E os hospitais?
Tendo em vista que esse tipo de golpe é mais comum do que se imagina, a Tribuna entrou em contato com algumas das principais instituições de saúde da capital para saber o que tem sido feito para alertar os pacientes. Confira:
A Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Paraná (Fehospar) também se pronunciou sobre o assunto. A entidade informou que tem orientado os estabelecimentos prestadores de serviços quanto a adoção de medidas preventivas, o que inclui mecanismos informativos de orientação a funcionários, pacientes e familiares, de que nenhuma quantia monetária pode ser cobrada que não as devidamente esclarecidas pela instituição e pelos médicos assistentes.
Além disso, a Fehospar ressaltou que, em alguns casos, ações mais radicais são indicadas como a retirada de telefones das acomodações hospitalares e proibição de que funcionários prestem qualquer tipo de informação por telefone.
Tribuna PR
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