terça-feira, 26 de novembro de 2019

Justiça condena Hospital Materno-Infantil a pagar R$ 109 mil de indenização e pensão vitalícia à criança que ficou cega por negligência médica


EXCLUSIVO

O juiz da Vara da Fazenda Pública de Marília, Walmir Idalêncio dos Santos Cruz, condenou o Hospital Materno Infantil (sistema Hospital das Clínicas) a pagar R$ 9.385,00 de indenização por danos morais à família de uma bebê,E.L, que teve problemas de visão por deslocamento de retina após o parto.
Os pais da criança pediram na Ação pagamento das despesas com tratamento médico, no valor de R$ 16.985,00, bem como pelas despesas que ainda se farão necessárias (medicamentos, consultas médicas, exames laboratoriais, despesas de locomoção, alimentação, entre outras), pensão mensal e vitalícia para a menor, no importe de um salário mínimo federal, incluindo-se o 13º salário e indenização por danos morais.

Consta nos autos que a mulher estava grávida de gêmeos, com idade gestacional de 26 semanas, dando à luz apenas à uma bebê em 15/04/2014, a qual foi encaminhada à Unidade Intensiva Neo-Natal do HMI, onde permaneceu internada por 76 dias.

Apesar da prematuridade, nasceu bem e com boa vitalidade, mas, em data de 26/06/2014, a médica oftalmologista da UTI não conseguiu realizar o exame de fundo de olho na criança, em decorrência da falta de dilatação dos olhos da bebê, não tendo reagido o colírio aplicado.

Relataram os pais que não houve, por parte da equipe médica responsável pelo acompanhamento da bebê, condutas eficazes a investigar o motivo pelo qual não houve a dilatação dos olhos da criança e, em 30/06/2014, a menina recebeu alta do Hospital com pesagem abaixo da recomendada.
Em setembro daquele ano, a genitora notou que os olhos da filha estavam com aspecto estranho e após o exame de ultrassonografia ocular, descobriu-se que a criança estava com descolamento de retina, sendo a menor diagnosticada com "retinopatia da prematuridade".

Os pais apontaram ainda que a Lei nº 12.551/2007, alterada pela Lei nº 12.969/2008, tornou obrigatória a realização do exame de fundo de olho para prevenção e tratamento da retinopatia da prematuridade, devendo ser reconhecida a responsabilidade do requerido em razão da conduta omissa e negligente de sua equipe médica.

A mãe da criança relatou que desenvolveu perda da visão bilateral, ou seja, encontra-se cega e, portanto, requereu a condenação em danos morais em montante suficiente para ressarcir todo o prejuízo experimentado, bem como a condenação do Hospital em dano material pelas despesas do tratamento já havidas, no montante de R$ 16.985,00, e as que ainda se farão necessárias, além do pensionamento mensal e vitalício, no valor de um salário mínimo federal.

Acompanharam a Ação os documentos relativos ao prontuário médico, a alta médica, o cartão de alta da recém-nascida, recibos de consultas oftalmológicas, ultrassonografia ocular, relatórios médicos e cópia de inquérito policial.

CONTESTAÇÃO

O Hospital, devidamente citado, apresentou contestação, alegando que a não realização do exame de fundo de olho se deu unicamente por omissão dos próprios autores. Sustentou que o atendimento da autarquia/FAMEMA foi correto, seguindo todos os protocolos médicos, que a autora foi orientada para que retornasse para realização de novo exame, que mesmo após o desenvolvimento da doença foi dado todo o atendimento necessário aos genitores da paciente e que não há conduta ilícita ou omissão por parte do requerido.

O prontuário médico da bebê foi juntado aos autos. Foi juntada cópia de procedimento criminal instaurado em face dos profissionais de saúde para apurar o delito dos artigos 229 e 10, III, do ECA. O laudo da perícia médico-legal também foi juntado.

O Hospital se manifestou sobre o laudo pericial, alegando que a perícia, apesar de dar a entender que há nexo causal entre o (não) atendimento prestado e os danos causados à menor, deixa claro que houve o exame de fundo de olho e que não foram encontradas quaisquer anormalidades, que foi tentada a repetição do exame, a qual não ocorreu por ausência de dilatação e que, nestes casos, há necessidade de repetição após alguns dias, não tendo os pais da criança encaminhado a menor para realização de novo exame agendado para 04/07/2016. Por fim, pontuou que foi a negligência dos pais da autora que implicou na evolução negativa das condições de saúde da bebê.

A mãe da criança, por sua vez, manifestou-se, alegando que o laudo médico ressaltou não ter encontrado na alta hospitalar encaminhamento ao oftalmologista para seguimento e que o encaminhamento somente aconteceu após a perda total da visão da criança.
Afirmou que foi tirada da recém-nascida a chance de ter um tratamento adequado e se tivesse sido realizado novo exame de fundo de olho, logo após a última tentativa, certamente seriam apontados os problemas de saúde ocular que poderiam ser revertidos.

O JUIZ DECIDIU

"O bem lançado parecer ministerial, da lavra do Eminente Dr. Promotor de Justiça ISAURO PIGOZZI FILHO, por sua acuidade jurídica, merece ser encampado por este Juízo.
Como bem sustentado pelo Ilustre Representante do Parquet, os argumentos expendidos pelo requerido não são suficientes para isentá-lo da responsabilidade civil administrativa decorrente da incapacidade de E.L, menor de idade.

Para a configuração da responsabilidade civil administrativa prevista no artigo 37, §6º, da CF/88, exige-se a demonstração de três requisitos, a saber: a) dano material e/ou moral experimentado pela parte autora da ação; b) ação e/ou omissão da Administração Pública ou de quem lhe faça as vezes e c) nexo de causalidade entre os itens precedentes.

No caso em exame, tais requisitos foram demonstrados nos autos, à saciedade. Não há dúvidas de que o artigo 37, §6º, da CF/88 se aplica ao ente público requerido, na qualidade de pessoa jurídica de direito público, com responsabilidade objetiva, perante terceiros, quanto a danos causados aos administrados.
O requerido alega que a negligência dos pais da autora implicou na evolução negativa das condições de saúde da bebê, que o atendimento da FAMEMA foi correto, seguindo todos os protocolos médicos e que os genitores da autora foram orientados para que retornassem para realização de novo exame. Ocorre que o requerido não tem razão.

No caso concreto, como salientado pelo Ministério Público em sua manifestação final, os danos oftalmológicos causados à autora menor  poderiam, durante sua internação, ser antevistos se o requerido tivesse tomado as providências necessárias, repetindo o exame de fundo de olho em tempo hábil dentro do Hospital Materno Infantil, sendo desnecessário investigar se houve dolo ou culpa.
A questão relativa à prova sofre modificações no âmbito da responsabilidade objetiva, tendo em vista que ao Estado só cabe defender-se provando a inexistência do fato administrativo, a inexistência do dano ou a ausência de nexo causal entre o fato e o dano.

No feito sub judice, a prova pericial encartada aos autos se mostrou indubitável ao pontuar que a primeira avaliação oftalmológica foi realizada em 22/05/2014, em tempo hábil, ou seja, entre 4 a 6 semanas de vida, e estava tudo dentro da normalidade.

A segunda avaliação deveria ter sido realizada de 3 a 4 semanas a partir da realização da primeira e, no final do mês de junho, foi agendado o exame sem sua realização, devido à falta de dilatação adequada.
A pericianda recebeu alta após oito dias, sem ter repetido o exame. Concluiu a perícia que: "Considerando-se que mesmo após um primeiro exame estar dentro da normalidade, e com os inúmeros fatores de risco que a pericianda apresentava, tal exame deveria ter sido repetido antes da alta hospitalar ou logo após, o que não ocorreu" (destaquei).

Esse contexto, como corretamente registrado pelo Dr. Promotor de Justiça subscritor do parecer ministerial, indica que não foi observado o dever de cautela e da previsibilidade objetiva no período em que a autora esteve internada (15/04/2014 a 30/06/2014).

Deveria o requerido, portanto, ter realizado o segundo exame oftalmológico após 3 a 4 semanas do primeiro exame realizado, ou seja, até, aproximadamente, o dia 22/06/2014, mas somente em 26/06/2014 houve a tentativa de realização desse segundo exame, sem sucesso, por ausência de dilatação adequada.

Além disso, não poderia ter o hospital dado alta à paciente em 30/06/2014, sem a repetição do exame de fundo de olho e sem o encaminhamento ao oftalmologista para acompanhamento. "Durante a internação ocorreu a avaliação especializada e na ocasião da alta não encontramos tal orientação" (para procurar oftalmologista).

De igual maneira, em resposta ao quesito 7 da requerente ("Pela análise do prontuário médico houve a oportunização de tratamento adequado para estagnar a ausência de dilatação nos olhos (indicativo de retinopatia) apresentada na criança? Em caso positivo: Qual tratamento disponibilizado? Em caso negativo: Isso possibilitou a perda da chance para tratamento e/ou estagnação da patologia e chances para a cura ou melhora do quadro?"), a Sra. Perita esclareceu: "Não. Sim" (destaquei).
Nesse sentido, a Lei nº 12.551/2007, alterada pela Lei nº 12.969/2008, dispõe sobre a obrigatoriedade de realização, por maternidades e estabelecimentos hospitalares congêneres do Estado, de exame, gratuito, de diagnóstico clínico de retinopatia da prematuridade – reflexo vermelho (teste do olhinho) e, em seu artigo 4º, dispõe que: "as famílias dos recém-nascidos receberão, quando das altas médicas, relatório dos exames e dos procedimentos realizados, contendo esclarecimentos e orientação" (destaquei). Houve, portanto, violação do dever legal de cautela no caso concreto.
Ao não se pautar pelos ditames pré-estabelecidos em lei, a equipe médica do requerido agiu de forma negligente e, assim, contribuiu decisivamente para a eclosão da cegueira de que hoje, lamentavelmente, padece a menor autora. Na espécie, como anotado pelo Ilustre Representante do Parquet, é patente a responsabilidade do requerido pela ocorrência dos danos oftalmológicos sofridos pela menor E.L, restando configurado o nexo causal direto entre a conduta omissiva na prestação do serviço e o dano experimentado pela requerente.
Se houvesse um acompanhamento oftalmológico efetivo durante a internação da requerente, o resultado danoso não teria ocorrido, estando presentes, por isso, os pressupostos caracterizadores do dever de indenizar.
Portanto, inquestionável o prejuízo material e moral suportado pela vítima, devendo ela ser ressarcida pelo requerido. No que tange às indenizações pleiteadas pela requerente, tem-se que o art. 944 do Código Civil estabelece que "a indenização mede-se pela extensão do dano".

Acerca do dano material indenizável, pretende a requerente o ressarcimento das despesas com seu tratamento no valor de R$ 16.985,00, bem como pelas despesas que ainda se farão necessárias (medicamentos, consultas médicas, exames laboratoriais, despesas de locomoção, alimentação).
Compulsando os autos, constato ter havido comprovação documental quanto a apenas parte do valor postulado, com a demonstração da realização de consultas oftalmológicas (R$ 400,00 e R$ 250,00), cirurgia de vitrectomia (R$ 1.500,00), instrumentação (R$ 500,00) e gastos junto ao Hospital Albert Einstein (R$ 6.753,00), totalizando R$ 9.385,00.

Daí que o dever de ressarcimento quanto aos custos já incorridos pela parte requerente até o presente momento abarcará apenas e tão somente a importância de R$ 9.385,00, sem prejuízo dos gastos futuros.

Busca a autora, ainda, pensão mensal vitalícia no importe de um salário mínimo nacional, incluindo-se 13º salário, visando a suprir os gastos diante de sua incapacidade para o trabalho e das sequelas duradouras (perda visual) expostas no laudo.

O pedido, quanto a este particular, comporta acolhimento, destinando-se a pensão vitalícia a propiciar a subsistência da vítima do evento danoso, tais como alimentação, moradia e vestuário, nos termos do artigo 7º, inciso IV, da CF/88, devendo ser adotado o parâmetro de 1 (um) salário mínimo mensal.
O pensionamento deve ser vitalício, considerando-se que, conforme o teor do laudo pericial trazido aos autos, as consequências da cegueira de que padece a menor a acompanharão por toda a vida.

O dano moral indenizável também se configurou e decorre da perda de chance de tratamento médico eficaz, em razão de conduta omissiva e ilegal do ente público requerido. Há de se considerar, também, a altamente gravosa consequência da incúria do HOSPITAL DAS CLÍNICAS DE MARÍLIA - UNIDADE II MATERNO-INFANTIL, o qual, tendo deixado de observar as determinações contidas na Lei nº 12.551/2007, alterada pela Lei nº 12.969/2008, quanto à realização do exame de fundo de olho.

No caso em exame, a contribuição do ente público requerido para a eclosão do evento danoso ostenta ares de irreversibilidade e definitividade, já que a menor autora, lamentavelmente, conviverá com a cegueira por toda a sua vida. E o fato, como atestado pela prova pericial, poderia ter sido evitado, caso o agir do ente público requerido tivesse se pautado pelos ditames legais e pela boa prática médica.

Sendo assim, no exercício do prudente arbítrio judicial, fixo o valor da indenização por danos morais em 100 (cem) salários mínimos nacionais em vigor, montante que tenho por suficiente e adequado para, a um só tempo, evitar o enriquecimento sem causa da parte autora e desestimular a reiteração da negligência ilícita por parte do HOSPITAL DAS CLÍNICAS DE MARÍLIA - UNIDADE II MATERNO-INFANTIL.

Finalmente, registro que o valor da indenização por dano moral mostra-se compatível com o parâmetro estabelecido para caso semelhante, já julgado pelo E. TJSP,...

JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS, e o faço para condenar, como de fato ora CONDENO o HOSPITAL DAS CLÍNICAS DE MARÍLIA - UNIDADE II MATERNO-INFANTIL ao pagamento, em favor da autora EDUARDA LIMA, da importância equivalente a a) R$ 9.385,00 (nove mil, trezentos e oitenta e cinco reais), a título de reparação de danos materiais, com atualização monetária pela Tabela Prática – IPCA-E – do E. TJSP e incidência de juros moratórios, calculados na forma do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, ambos a contar da data do evento danoso (Súmulas nº 43 e 54 do STJ) (em conformidade com a solução do Tema nº 810 pelo STF), sem prejuízo do que vier a futuramente ser despendido para o custeio do tratamento médico da menor E.L, a ser apurado em liquidação de sentença, e, cumulativamente, b) 100 (cem) salários mínimos nacionais em vigor nesta data a título de indenização por danos morais, com atualização monetária pela Tabela Prática – IPCA-E – do E. TJSP a partir da presente data (Súmula nº 362 do STJ) e incidência de juros moratórios, calculados na forma do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, a contar da data do evento danoso (Súmula nº 54 do STJ) (em conformidade com a solução do Tema nº 810 pelo STF).

Para os fins acima estabelecidos, deverá ser considerado o dia 26/06/2014 como a data do evento danoso, considerando-se que, conforme se apurou, em tal data não teria sido realizado o exame de fundo de olho que poderia ter evitado a cegueira da autora da ação.

Finalmente, deverá o HOSPITAL DAS CLÍNICAS DE MARÍLIA - UNIDADE II MATERNO-INFANTIL proceder ao pensionamento, em favor da autora E.L, de 1 (um) salário mínimo nacional mensal (com pagamento de 13º), enquanto a requerente viver, como forma de compensá-la pela perda de sua capacidade laborativa.

Presentes os requisitos do artigo 300 do CPC, notadamente o perigo de dano de difícil reparação, tratando-se de verba de caráter alimentar e considerada a hipossuficiência do núcleo familiar integrado pela parte autora, concedo a tutela de urgência, para o fim de determinar ao ente público requerido que, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da intimação desta sentença, providencie a implantação das prestações mensais devidas em favor da requerente". 

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