quarta-feira, 1 de agosto de 2018

70% dos médicos investigados pelo CRM em 2017 são absolvidos -veja quadro

Denúncias de erros médicos são apuradas pelo CRM. Punições vão de advertência confidencial em
 aviso reservado a cassação do exercício profissional

Em sete de julho, a jovem Luana Lacerda Pinto, 21 anos, perdeu o filho após uma cirurgia cesariana de emergência, no Hospital Geral Universitário (HGU), em Cuiabá. Ela afirma que chegou em boas condições à unidade de saúde e a equipe médica insistiu para que fizesse parto natural. Por isso, relata ter esperado por 15 horas, sofrendo com dores, até que o caso se agravou e ela teve de passar pela cirurgia. O filho da jovem morreu 2 semanas depois.

No dia 22 deste mês, o auxiliar de serviços gerais Bento Ferreira, 57 anos, morreu em Juína (a 744 Km de Cuiabá), um mês depois de passar por uma cirurgia para retirada de uma toalha de compressa que, supostamente, um cirurgião teria deixado dentro dele durante uma intervenção cirúrgica.

Os dois casos recentes tratam sobre supostos erros médicos. A morte do filho de Luana e o falecimento do auxiliar de serviços gerais se tornaram alvos de sindicâncias distintas instauradas pelo Conselho Regional de Medicina (CRM-MT). O objetivo da entidade é apurar a conduta da equipe médica que atendeu os pacientes.

As sindicâncias são procedimentos instaurados quando algum médico é alvo de uma denuncia formalizada no CRM ou por meio de notícias da imprensa. Ela representa a fase de análise das ocorrências. Nesta fase, são colhidas provas, como os prontuários do paciente, e depoimentos das partes envolvidas. Elas têm prazo de seis meses para que sejam concluídas.

No CRM-MT, houve 243 sindicâncias em andamento somente em 2018. Destas, 136 foram instauradas neste ano e outras haviam sido abertas anteriormente. Conforme o Conselho de Medicina, 126 dos procedimentos já passaram por julgamentos: 106 foram arquivados e 30 foram convertidos em Processo Ético profissional (PEP).

Em 2017, foram instauradas 239 sindicâncias no CRM-MT. Ao todo, incluindo procedimentos de períodos anteriores, 197 foram arquivadas e 45 se tornaram processos.

Das sindicâncias em trâmite, os casos mais comuns são relacionados à Ginecologia e à Obstetrícia.

As mesmas especialidades também lideram os Processos Éticos Profissionais, representando 24,4% deles.

“No momento em que abrimos uma sindicância contra um médico, apuramos a possibilidade de ele não ter cumprido o Código de Ética Médica. Mas ela é uma avaliação inicial, porque existem denúncias sem consistência, nas quais não conseguimos ver possibilidade de infração médica”, acrescenta. A presidente do CRM-MT, Maria de Fátima de Carvalho, afirma que os números de procedimentos que apuram as condutas de médicos em Mato Grosso não são uma surpresa. “É uma coisa esperada. Não é algo desejado, porque gostaríamos de ter um número menor. Mas temos 7 mil médicos ativos no Estado, então penso que é algo esperado”, pontua.

Conforme Maria de Fátima, as sindicâncias podem apurar possíveis erros médicos, por imprudência ou negligência do profissional, ou também podem investigar outros pontos. “Há casos de não cumprimento de outras funções, como falta em plantões, abandonar pacientes sem deixar outro profissional para dar assistência ou fazer publicidades médicas”, declara.

Os processos podem demorar, mas nunca podem ficar parados. Se eles ainda não foram concluídos, é porque ainda restam alguns pontos

Maria de Fátima

Processos

Logo após as sindicâncias, o CRM pode definir pelo arquivamento dos procedimentos, caso considere que não há provas suficientes. A entidade também pode transformá-las em Processos Éticos Profissionais (PEP), se considerar que as apurações iniciais apontaram supostas irregularidades na atuação do médico.

Os processos são a parte final nas análises sobre as condutas de médicos investigados. Eles não têm prazo para que sejam finalizados. Comumente, duram mais de um ano. “É um procedimento muito longo porque requisitamos muitas provas para que possamos fazer as investigações”, justifica a presidente do CRM-MT.

“Os processos podem demorar, mas nunca podem ficar parados. Se eles ainda não foram concluídos, é porque ainda restam alguns pontos. Não permitimos que nenhum processo fique parado”, acrescenta.

Nos processos são chamadas testemunhas e diversos documentos são coletados. “É um procedimento mais pormenorizado que a sindicância”, diz.

Assim como a sindicância, o conselho do CRM, composto por 42 médicos, é o responsável pela condução dos procedimentos.

Em 2017, o CRM fechou o ano com 178 PEPs em tramitação. Durante o ano, foram instaurados 52 processos. No período foram julgados 50, grande parte de procedimentos instaurados em anos anteriores.

No ano passado foram julgados 76 médicos envolvidos nos processos. Deste total, 53 profissionais foram absolvidos e 23 foram condenados. Entre os condenados, 17 receberam penas privadas e seis foram alvos de penas públicas. Somente um caso resultou em cassação do registro profissional.

Dos 52 processos instaurados no ano passado, 11 eram relacionados à Ginecologia e à obstetrícia, número que representa um total de 21% dos PEPs. Entre os julgados, 8% eram referentes às mesmas especialidades. Conforme o CRM, as duas áreas possuem as maiores incidências por falha ou erro de atuação.

Neste ano, 182 PEPs estão tramitando no CRM-MT. Não foram divulgados quanto deles chegaram a ser julgados pelo conselho da entidade.

As penalidades aplicadas aos médicos alvos dos processos, conforme o Código de Ética Médica, podem variar de advertência confidencial, censura confidencial, censura pública, suspensão do exercício profissional por 30 dias ou até cassação do exercício profissional.

Os processos e as sindicâncias no CRM tramitam em sigilo. “As partes envolvidas podem ter conhecimento todo o caso. Mas esses procedimentos não são abertos porque são questões judiciais e torná-los públicos seria como fazer uma penalização precoce”, diz Maria de Fátima.

A presidente do CRM nega que haja corporativismo nas investigações feitas na entidade. “Muita gente pensa que o conselho do CRM é corporativo e defende os médicos, mas toda sindicância e julgamento são feitos com base em preceitos éticos”, assegura.

As sindicâncias recentes

Entre as sindicâncias mais recentes estão a morte do filho da jovem Luana Lacerda Pinto e o falecimento do homem com a toalha de compressa esquecida na cirurgia.

A família de Luana relatou que acredita ter havido demora e erro médico na condução do procedimento. Para os parentes da jovem, trata-se de um caso de violência obstétrica. Eles chegaram a registrar um boletim de ocorrência sobre o caso. Em nota, depois do caso, o hospital negou ter havido qualquer erro na condução do parto da jovem.

Após instaurar a sindicância sobre a morte do bebê, o CRM solicitou o prontuário da jovem ao HGU. Posteriormente, a jovem, familiares e testemunhas deverão ser ouvidos pelo conselho, assim como a equipe médica responsável pelo parto.

Em relação ao caso do auxiliar de serviços gerais com a toalha na barriga, o CRM informou que a sindicância ainda está em procedimento de abertura. Desta forma, os prontuários sobre o caso ainda não foram solicitados.

Em recente conversa com o RD News, o filho dele, Edson Ferreira, comentou que o pai tinha câncer de próstata e por isso passou pelo procedimento cirúrgico. A doença estava sob controle antes da cirurgia. Desta forma, ele afirmou que a piora do pai foi em decorrência do pano deixado na barriga do homem. Para ele, trata-se de um caso de erro médico.

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