Ato contra a violência obstétrica em frente ao HGU |
Casos de violência obstétrica ganharam destaque em Mato Grosso, nos últimos dias. Principalmente após a denúncia de jovem Luana Lacerda Pinto contra o Hospital Geral Universitário (HGU), que alega ter sofrido a violência, que ocasionou a morte de seu filho Pedro e a impossibilidade de uma nova gravidez. O Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso (CRM-MT) informa que a violência obstétrica é o caso mais denunciado ao órgão e este ano já são 243 casos sob investigação.
Mas o que é violência obstétrica?
Uma situação pouco discutida, porém de acordo com diversos relatos, muito comum entre as gestantes. A condição é delicada e muitas mulheres passam por ela sem nem saber que é errado ou cabível de denúncia. A agressão acontece não apenas no Sistema Único de Saúde (SUS), mas também na rede particular.
O Ministério da Saúde explica que entende-se por violência obstétrica a violência vivida no momento da gestação, parto, nascimento e pós-parto. Ela é evidenciada, entre outros formas, pela violência física, psicológica, verbal, simbólica e sexual.
Podem ser considerados violência obstétrica os tratamentos excessivos ou inapropriados, práticas impostas às mulheres, que violam sua intimidade, como assédio, exames de toque desnecessários, invasivos e constantes, lavagem intestinal, cesariana e ruptura de membranas sem consentimento. No âmbito da violência verbal e psicológica, estudos relatam práticas de opressão e coerção, que se traduzem em impaciência, ameaças e humilhações.
O Ministério da saúde destaca que a violência obstétrica pode e deve ser denunciada à ouvidoria do hospital, ao Ministério Público Federal e Estadual, à Defensoria Pública, ao CRM, ao Conselho Regional de Enfermagem (Coren), ao Disque Saúde 136 ou pelo 180.
Estatísticas e denúncias
De acordo com os dados estatísticos do CRM, em 2017 tinham 244 sindicâncias em trâmite e 239 foram instauradas. Foram julgadas 242 denúncias, desse total, 197 foram arquivadas e 45 se tornaram processos ético profissional (PEPs). Ainda, naquele ano, havia 178 Peps em investigação, sendo 52 instauradas e 50 julgadas.
Dos 76 médicos envolvidos, 53 foram absolvidos e 23 condenados. Destes condenados, 17 receberam penas privadas e seis penas públicas. Apenas um destes seis culpados teve a cassação do registro profissional.
O CRM ainda informou que dos 52 processos instaurados, 11 eram relacionados às especialidades médicas de ginecologia e obstetrícia, sendo o total de 21% dos PEPs. Essas duas são as áreas com maior incidência de processos por falha ou erro de atuação.
Em 2018 já se tem 243 denúncias sob investigação, 136 já foram instauradas. E até o dia 25 de julho foram julgadas 126, desse total 106 foram arquivadas e 30 se tornaram processos ético profissional. E atualmente tramitam182 PEPs.
O Conselho ressalta que as penalidades que os profissionais podem sofrer, de acordo com a lei n° 3.268 de 1957, são a advertência confidencial em aviso reservado; censura confidencial em aviso reservado; censura pública em publicação oficial; suspensão do exercício profissional até 30 dias; cassação do exercício profissional.
Ressaltam ainda que as investigações acontecem quando algum profissional é denunciado formalmente ou pela própria imprensa. E ocorre a fase de análise, onde são colhidas as provas e depoimentos das partes envolvidas.
Agora, de acordo com o Conselho Regional de Enfermagem de Mato Grosso (Coren-MT), no estado também existem denúncias envolvendo os profissionais de enfermagem. Os casos correm sigilo e eles também estão sujeitos à instauração do processo ético.
Nos casos denunciados às delegacias, a Polícia Civil informa não ter dados sobre violência obstétrica, pois depende de cada caso e podem ser categorizados em diferentes crimes como lesão corporal, homicídio, injúria, entre outros.
Em Cáceres (distante 218km de Cuiabá), por exemplo, a polícia civil indiciou um obstetra por homicídio culposo e lesão corporal. Uma mãe denunciou extrema agressividade durante o parto e o médico confessou ter usado na paciente o procedimento conhecido como "Manobra de Kristeller", que consiste em empurrar e apertar a barriga da gestante, forçando o parto. O bebê faleceu dias após o nascimento.
Relatos da violência
Além do caso de Luana, diversas mulheres relataram nas redes sociais do HiperNotícias as situações que vivenciaram.
Maria* relatou que há nove anos sofreu a violência obstétrica. Ela conta que tinha um encaminhamento para internar e realizar a cesariana no HGU, mas, ao chegar lá, se deparou com um médico que já havia a tratado mal e proibiu a sua internação para o parto.
"Quando eu vi ele no plantão, já comecei a chorar. Ele me disse 'você de novo? ta com dor? tá sangrando? a bolsa estourou? Então pode voltar para casa e só volta quando estiver sentindo uma dor que parece estar morrendo' eu mostrei o encaminhamento, ele nem olhou o papel e disse ' aqui todas têm parto normal', eu saí aos prantos".
Ela relata que a sua irmã começou a brigar e chamou a imprensa. O hospital dizia que não tinha vagas, mas logo a internou. Ao entrar no hospital, constatou cerca de sete leitos vazios. A deixaram sem comer o dia todo para esperar a cesariana. Após quase 24 horam em jejum, liberaram a sua alimentação, mas a meia noite ela entrou em trabalho de parto.
"Eu gritando de dor, me colocaram soro para ter dilatação e nada, eu falava toda hora que não poderia ter normal, mas ele ria e dizia que lá ninguém tem parto cesárea". Maria relata que outra médica alertava que ela não poderia ter aquele tipo de procedimento, mas mesmo assim o médico permaneceu forçando o normal.
"Ele me levou para a sala de parto e eu senti um ferro entrando dentro de mim. Ali sim eu pensei que era o meu último suspiro de vida, foi a pior dor que senti na minha vida toda. Parecia que me rasgava com uma barra de ferro para estourar a bolsa, mesmo com as intervenções da médica, o doutor dizia 'ela vai ter normal e pronto'. À cada minuto ele me dava toque, esse toque me machucava toda, porque ele abria a minha vagina com as mãos, até que as 4 horas da manhã eu já não tinha forças para gritar".
Até que depois de todo o sofrimento relatado, ela foi encaminhada para realizar o parto cesárea. Ela conta que nem ouviu o choro da sua filha, que foi levada para longe. A criança havia passado da hora de nascer e defecado dentro da barriga. Maria relata que a sua bebê precisou ser reanimada. "O dia que deveria ser o melhor dia das nossas vidas, se torna o pior, se torna um pesadelo".
Em outro caso, Silvia* conta que também sofreu violência no Hospital Geral Universitário de Cuiabá, em 2017. Ela conta ter ficado horas e horas em trabalho de parto, sentindo as contrações, mas não conseguia dilatar.
"Eu andava, sentava na bola, fazia um monte de toque e a cada toque me machucava e saia muito sangue". Relata que passou mal e foi vomitar no banheiro, mas a enfermeira a repreendeu, avisando que ela não deveria se levantar.
Cerca de 24 horas depois da entrada no hospital, ela já não tinha mais forças e que já não conseguia enxergar. "A minha mãe chorava e pedia para a médica realizar a cesárea, mas ela ignorava. Eu estava com nove centrímetros de dilatação e o meu bebê não vinha. Cada vez tinha mais toque e não aguentava mais, doía demais e saia muito sangue".
Após tudo que passou, foi encaminhada para a cirurgia de emergência, mas o anestesista começou a tratá-la mal. "Ele estava estressado, não conseguia aplicar direito. Toda hora me inclinava na maca para aplicar a injeção e falava que eu não ficava direito, que ele não tava conseguindo, mas ele não deve ter percebido o quão sem forças eu estava. Depois disso eu não lembro de mais nada".
O filho de Silvia também passou da hora de nascer e defecou no útero. "A minha mãe ficou muito nervosa e preocupada, pois a cabeça do meu filho estava toda amassada parecendo um funil. Só falaram para não se preocupar, porque a cabeça do bebê é mole e voltaria ao normal". A criança está bem e com 10 meses de vida.
O último caso relatado aconteceu em 2003 e ainda tem processo em tramitação na Justiça. Margarida* realizou todo o pré-natal e, em janeiro daquele ano, começou a sentir as contrações e também foi para o HGU. Chegou no hospital por volta de meia noite e relata que estava saindo um líquido verde de sua vagina, mas o médico plantonista falou que estava tudo bem e que a criança deveria nascer até as 4 horas da manhã.
A mulher conta que sentiu fortes dores, mas as enfermeiras só a medicavam. Ela passou a noite toda dessa forma. Aproximadamente às 6h40, houve a troca de turnos dos médicos e ela informou que estava muito debilitada.
Um médico chegou e viu a situação e começou a questionar o motivo dela ainda não ter feito o parto, dessa forma começou a apressar as enfermeiras para preparar o centro cirúrgico com urgência. Enquanto ela estava tomando banho e sendo preparada para a cirurgia, escutou o médico dizer "Eu vou tentar salvar a vida da mãe, a do bebê não sei não".
No centro cirúrgico o residente de medicina não conseguia aplicar a anestesia e a paciente escutava o tempo inteiro a médica o orientando, mas ele não conseguia. Nesse momento chegou o médico que faria a cirurgia e ficou nervoso com a situação, pois era um procedimento de emergência.
"Naquele momento eu tinha certeza que não sairia viva daquele lugar", conta muito emocionada. "Eu estava lúcida o tempo inteiro e quando ele me abriu, ele disse 'olha o estado disso aqui'. Eu sabia que não iria sobreviver, eu queria ficar acordada e pedi para o médico salvar a minha filha se tivesse que escolher".
A bebê nasceu, mas não chorou e como a paciente estava muito nervosa, ela foi medicada e só acordou na sala de pós cirurgia. A criança foi encaminhada para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e só assim Margarida descobriu que o líquido verde eram fezes da sua filha.
Uma das médicas a acusou de não ter feito o pré-natal, pois a bebê tinha cardiopatia congênita e, se houvesse o acompanhamento o problema teria sido diagnosticado antes. A mãe começou a ficar nervosa e falava que tinha feito, sim, todo o processo e que tinhas os documentos, a sua filha não tinha tal doença e a ultrassom mais recente mostrava isso.
Infelizmente a criança morreu e os médicos chegaram a impedir a alta de Margarida. Ela conta que eles queriam prender ela no hospital e só conseguiu sair depois de muita discussão. "A negligência foi toda do hospital. Era para a Kevellyn estar com 15 anos".
Ela ainda conta que processou o hospital, mas ainda não houve sentença, porém houve uma audiência no CRM e a conclusão do conselho dizia que: “não houve negligência médica, que foi vontade de Deus".
*O nome das mulheres são fícticios para preservar sua imagem
Se faz necessario acompanhamento policial... Se acontecesse... iutro fato comigo... teria chamado viatura e dafo voz de prisão ao médico. . Falta de respeito e consideração vom a mãe e o filho.
ResponderExcluirO numero de procesdos éticos PEPS é vergonhoso... o corporativismo praticado nos CRMs é covarde e vergonhoso...precisamos mudar essa realidade... medicos estão assassinando PACIENTES.
DIA NACIONAL DE LUTA CONTRA O ERRO MÉDICO 04 DE AGOSTO