terça-feira, 21 de julho de 2020

Família de autista que morreu à espera de atendimento denuncia descaso dos serviços de 192 e 193

Jovem teve uma broncoaspiração e, por causa da demora no socorro, morreu a caminho do hospital

Rafael morreu a caminho do hospital
O jovem Rafael Charles Coutinho Gomes, de apenas 18 anos, que tinha o grau severo da síndrome do espectro autista, morreu sufocado, a caminho do hospital, na madrugada do dia 1º de julho. Por conta da demora da ambulância, ele sequer conseguiu chegar à unidade médica. Como a equipe de emergência não chegou à casa do rapaz, ele foi socorrido por vizinhos. Só agora, quinze dias depois, a mãe de Rafael, a autônoma Ana Lúcia Charles, ainda sob a angústia de perder o filho de forma tão traumática, conseguiu falar sobre o assunto e denunciou o que chamou de “descaso” dos serviços de emergência em Campos acionados pelos telefones 192 e do 193.

Ana Lúcia, que mora no bairro da Penha, relata que por volta das 5h da madrugada acordou com o desespero de Rafael, que teve uma broncoaspiração. Broncoaspiração é quando alimentos, líquidos, saliva ou vômito são aspirados pelas vias aéreas, que acabam obstruídas. Ela percebeu que o filho não conseguia respirar e sua face começava a ficar roxeada. Foi então que Ana Lúcia acionou o Corpo de Bombeiros, pelo telefone 193, e foi informada de que a corporação não faz atendimento a vítimas em casa.

“Eu disse que meu filho já estava há vários minutos sem respirar e que precisava de socorro imediato. Ainda assim, quem atendeu a ligação mandou que eu procurasse atendimento pelo telefone 192. Os profissionais foram negligentes com meu filho. O que são protocolos, normas e regras diante da importância de salvar uma vida?”, questionou.

Ao acionar o 192, mesmo correndo contra o tempo, Ana Lúcia afirma que não conseguiu atendimento imediato. Ela gravou a ligação que fez para o serviço e a equipe de reportagem teve acesso ao áudio. A chamada demorou 2min30 para ser atendida. A atendente questiona o que estava acontecendo, mas o áudio falha no início. Ela pede à mãe para passar a ligação para alguém, no intuito de facilitar a comunicação. Aos 7min30 da chamada, a atendente decide passar a ligação para a médica do serviço de emergência e só aos 8min11 que resolvem enviar a ambulância. Segundo Ana Lúcia, a ambulância nunca chegou.

“Minha filha e os vizinhos ficaram em casa, Por isso tenho certeza de que a ambulância nunca chegou”, ressaltou.

Ana Lúcia relata momentos de angústia durante busca por socorro
Logo após o final da segunda ligação, um vizinho notou o desespero da família e ofereceu ajuda para transportar Rafael até o Hospital Ferreira Machado (HFM). A mãe lembra que o jovem começou a convulsionar enquanto ainda saída de casa e ele morreu pouco antes de dar entrada no HFM. O médico que atendeu Rafael atestou que o rapaz teve uma parada cardiorrespiratória.

A mãe questiona que em momento algum nem o Corpo de Bombeiros ou a atendente e a médica do serviço municipal de emergência passaram qualquer tipo de orientação pelo telefone sobre como agir em casos de engasgo.

A equipe de reportagem não disponibilizou o áudio do atendimento pelo serviço de emergência por considerar o conteúdo forte, no qual fica claro o desespero de uma mãe ao ver a agonia do filho que não respirava.

Em nota, o Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro (CBMERJ) informou que “o serviço de Atendimento Pré-Hospitalar (APH) em residências não faz parte do escopo de atuação do CBMERJ. Conforme a legislação vigente, é uma atividade que cabe à gestão municipal por meio do Sistema Único de Saúde (SUS)”.

Sobre o acionamento, a corporação disse que “a gravação da ligação foi checada internamente. Por conta do cenário, a solicitante estava nervosa e pode ser que não tenha compreendido a orientação dada pela atendente do 193. Nesses casos, o acionamento deve ser via 192, serviço de responsabilidade do município. O Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro (CBMERJ) se solidariza com familiares e amigos”, concluiu a nota.

Também em nota, a Fundação Municipal de Saúde (FMS) informou que “vai averiguar a denúncia e destaca que a Central 192 está disponível todos os dias, por 24 horas, com atendimento feito por médicos onde, através do telefone, o paciente é orientado sobre as medidas que deve tomar diante do quadro de saúde apresentado”, disse.

Ainda sobre o serviço 192, a FMS destacou que “a Central oferece serviço de ambulâncias e conta atualmente com seis veículos prestando o atendimento no município. Somente no mês de junho, foram mais de 789 saídas de ambulâncias para atendimento a pacientes. A Central contabilizou 4843 chamadas no último mês”, finalizou a nota.

Muita luta

Além de Rafael, Ana Lúcia tem outros dois filhos com a síndrome do espectro autista, um de 20 anos e outro de 7. Recentemente, ela teve que se mudar do condomínio onde morava porque os vizinhos se incomodaram com a agitação das crianças. Ela e os três estavam confinados no apartamento de um condomínio residencial popular, no bairro Jóquei Clube. Segundo a mãe, cumprindo as medidas de isolamento social desde o dia 20 de março e sem ter como frequentar os serviços de apoio dos quais participam, por causa da pandemia, os três ficaram mais agitados e os ruídos que fazem dentro apartamento estavam incomodando os vizinhos. O proprietário do imóvel, que o alugou para Lúcia, chegou a receber uma notificação do síndico do condomínio em que citava “barulho excessivo na madrugada do dia 30/04”.

“Vivíamos uma rotina de discriminação e preconceito no condomínio. Para não expor meus filhos a essa situação, mudamos para uma casa na Penha no início de junho”, lembra.

Como as crianças precisam de atenção em tempo integral, Ana Lúcia não trabalha e vive para atender às necessidades especiais dos filhos.

Jornal Terceira Via

Nenhum comentário:

Postar um comentário