sábado, 26 de janeiro de 2019

Desvio de dinheiro é maior denúncia contra quem deveria cuidar de idosos

Aumento da expectativa de vida explica o crescimento de casos de atentado contra os direitos humanos dos idosos

Idosos são 19% da população brasileira
A expectativa de vida do Brasileiro aumenta a cada ano. A população está envelhecendo e com isso os problemas relacionados aos idosos também crescem. A 44ª Promotoria de Justiça de Campo Grande, especializada nos direitos da pessoa idosa, observa que a cada ano o número de denúncias e ações em relação aos mais velhos aumenta e o caso mais comum é o abuso financeiro.
Em 2016 a promotoria realizou 2197 ações, já em 2017, houve um aumento de quase 23%, com 2699 casos. Em 2018 houve uma leve queda, com 2514 movimentações, mas ainda assim 14,4% maior em relação a 2016. Até 18 de janeiro deste ano, 132 casos foram registrados na promotoria.
As denúncias podem vir da SAS (Secretaria Municipal de Assistência Social), Sesau (Secretaria Municipal de Saúde Pública), unidades de saúde, Disque 100 (canal de comunicação de atentados aos direitos humanos do Governo Federal), de vizinhos, familiares e até do próprio idoso.
Denúncias e solicitações de atendimento aumentam no final do ano. "Começa a piorar em outubro", afirma Cristiane, sem encontrar um fato que explique o evento. "Os casos não aumentam nessa época do ano, é porque as pessoas procuram mais", detalha.
São inúmeros os tipos de casos que envolvem idosos em situação de risco. O mais comum é o abuso financeiro dos bens do idoso. "Os familiares se apropriam de dinheiro e de bens de idosos, de imóveis, fazem assinar uma procuração. Os familiares ficam com aquele cartão de benefício do INSS e desviam o salário mínimo do idoso, que fica passando necessidade", enumera Cristiane.
Em seguida vem as violações e conflitos familiares em decorrência do uso de álcool e drogas por parte das pessoas que convivem com idosos. Além destes, há os problemas de saúde, maus tratos, abandono e negligência. Há também a demanda espontânea, que segundo Cristiane, é uma nova modalidade de solicitação.
Em 77 anos, a expectativa de vida do brasileiro aumentou em mais de 30, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), chegando a 76 anos. Ainda de acordo com o instituto, em 2017, a população com 60 anos ou mais era de 30,2 milhões e, em 2012, 25,4 milhões. Em 5 anos, o país ganhou 4,8 milhões de idosos, um acréscimo de 19%. Os nascidos em Mato Grosso do Sul podem viver até 75,8 anos. A população estimada em 2018 no estado é de 2.748.023 pessoas. Os cidadãos com 65 anos ou mais somam 228.536, o que corresponde a 1/12 do total de sul-mato-grossenses em 2018. Projeções mostram que a população está envelhecendo.
Segundo a titular da 44ª Promotoria de Justiça, a promotora Cristiane Barreto Nogueira Rizkallah, este fenômeno explica o aumento no número de casos de atentados contra os direitos humanos da pessoa idosa.
"O próprio idoso vem procurar acolhimento, seja porque não quer viver com parente, porque não quer incomodar, quer ter mais liberdade, ou porque fica em casa e todos ficam fora o dia inteiro, na instituição vai ter atividades e amigos, ou não se sente capaz de morar sozinho. O próprio idoso vem aqui, consciente, para solicitar acolhimento", salienta a promotora.
Entre os diversos casos em que os idosos sofrem, muitos acontecem por negligência e abandono. São situações em que quem deveria acolher, se nega a cuidar. Quando a promotoria recebe uma denúncia deste tipo, resulta em um processo criminal em que o responsável recebe uma pena, que pode ser até de reclusão, mas nem sempre resolve o problema do idoso.
"Quando é configurado crime, a pessoa vai responder criminalmente, mas mesmo assim, nem sempre ela acolhe. Muitas vezes o idoso vai acabar num serviço de acolhimento. O criminal não resolve, não faz mudar a situação. O que faz mudar a situação é que, às vezes, a família tem uma condição financeira e acaba pagando uma pensão alimentícia. Mas a pessoa não é obrigada a acolher. As leis não obrigam a fraternidade a ao amor, obrigam a pagar, mas não a amar", lamenta Cristiane. Recusam o convívio familiar
Por outro lado, a promotora menciona também que há casos de idosos que se recusam a morar com a família. Alguns preferem viver na rua, onde têm toda a liberdade, conseguem bebida e sexo facilmente e não querem se submeter a viver em um lar, com regras. "Ele tem o direito dele, de ir e vir, e de permanecer. Se ele não estiver cometendo nenhum delito, não pode ser tirado da liberdade dele", justifica.
Ou mesmo situações em que não existe o perdão e o idoso prefere ser recolhido a alguma instituição do que viver com os filhos. "São espíritos endurecidos. Para quem tem vínculo forte com a família, é inacreditável, mas acontece muito", declara.
Ainda, há aqueles que se recusam a recolher os idosos por conta de rompimento de vínculos. "Acontece quando existe algum histórico de abandono, violência física ou sexual. Nestes casos, os filhos não querem cuidar. Os vínculos se rompem por fragilização, e cada um quer ir para o seu lado", explica a promotora.
Falta de estrutura e políticas
Para mudar o cenário de abandono e maus tratos aos idosos deve levar muito tempo. Para Cristiane, deve começar com a educação e conscientização das pessoas "de que a idade, que traz o envelhecimento, acontece a todos nós. Só não envelhece quem morreu, se quer viver vai ficar velho e pode enfrentar os mesmos problemas que eles enfrentam hoje". A valorização da pessoa idosa e a implementação das políticas públicas definidas na política do idoso ajudariam.
A promotora sugere a criação de mais centros-dia para idoso, locais em que eles passam o dia, recebem cuidados e participam de atividades. "Evitaria que o idoso ficasse acolhido, ele passa o dia e depois volta pra casa, como se fosse uma creche. Resolve o problema da família que tem que trabalhar", ressalta. Mas várias outras políticas que podem ser consideradas, segundo ela. "Aqui está muito atrasado", pontua. Campo Grande não tem abrigos que comportem o número de idosos que necessitam de acolhimento. Há o Asilo São João Bosco, o Sirpha e a Casa de Abraão, que, de acordo com ela, passam por problemas sérios.
"Todo ano tem atraso de repasse e por consequência atraso de pagamento dos funcionários, greve, ação na justiça. O problema é burocracia", define. Ainda, ela diz que as casas acolhem menos idosos do que tem capacidade, justamente por conta dos problemas financeiros.
"Poderiam abrigar mais idosos se tivesse mais repasse. É muito caro. Sai em torno de R$ 4 mil por mês por idoso, e o repasse é de R$ 1.900,00. O repasse já é aquém. Estão em situação caótica, pois dependem sempre desse repasse", afirma.




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