Pais são impedidos de ficar ao lado da mulher durante todo o trabalho de parto por conta da pandemia de coronavírus
A gravidez da jornalista Denise Godinho, 32, não foi planejada, mas foi
muito comemorada por ela e pelo companheiro, Raphael. Os avós logo
entraram no clima: o pai de Denise foi quem construiu o bercinho para o
neto e todos estavam de malas prontas para se revezar nos cuidados dos
primeiros tempos com o bebê.
Mas desde que a pandemia de coronavírus
foi decretada pela OMS e o isolamento para evitar a transmissão da
doença começou em São Paulo, tudo mudou. Denise parou de receber visitas
e logo se conformou com a ideia de que o nascimento de Pedro ia ser um
evento ‘intimista’, só com ela e o pai do bebê. Mas não imaginava que
até o marido pudesse ser vetado no momento do parto. Pelas redes sociais
ficou sabendo que a Amparo Maternal, maternidade escolhida para dar à
luz seu filho, ia impor essa proibição.
“Eu vi que estavam reduzindo a
participação do acompanhante, que entraria só na hora da fase expulsiva e
aí me imaginei sozinha durante todo o trabalho de parto e me
desesperei”, conta. “Eu entendo proibir visitas, fotógrafo, doula.
É um
período de crise e a gente tem que entender essas medidas para preservar
os pacientes e funcionários do hospital. Mas limitar a participação do
acompanhante é uma violência. Porque não faz muita diferença ele em uma
sala de espera com outras pessoas enquanto estou em trabalho de parto.
Seria muito mais sensato deixá-lo comigo o tempo todo. É um direito meu
ter um acompanhante durante a fase de pré-parto, parto e pós-parto, e é
direito dele poder ver o filho nascer”, afirma.
O direito da gestante e da puérpera em ter uma acompanhante é respaldado
pela Lei Federal nº 11.108, de 07 de abril de 2005. A manicure Lanna
Dias, 24, conhecia essa determinação e não aceitou a possibilidade de o
marido não estar ao seu lado durante o nascimento da filha do casal,
Flora.
“A justificativa que me deram era que o Ministério da Saúde
determinou que agora era assim. Mas eu entrei no site e não havia nada
disso”, conta. (A nota técnica Nº 7/2020 do Ministério da Saúde
sobre o atendimento às gestantes não faz nenhuma menção à restrição de
acompanhantes.) Quando entrou em trabalho de parto, decidiu não ir à
Amparo Maternal, mas sim ao Hospital do Ipiranga, que também atende
pelo SUS, que garantiu o direito do marido a assistir o nascimento da
filha e o dela em ter um acompanhante.
“Não tem como você passar pelo
parto sem o apoio de alguém. Meu marido olhava nos meus olhos e dizia o
quanto eu era forte, via a dosagem de todos os medicamentos. Não tem
como você estar 100% lúcida quando está parindo, por isso ter uma pessoa
ao lado é essencial”, explica.
No Instagram da Amparo Maternal é grande o descontentamento de mães que viram o anúncio das novas medidas pelas redes sociais.
“Isso
é um absurdo! Passamos meses confiando na maternidade, depositando
nossas esperanças e nos sentindo acolhidos (eu e meu parceiro).
Confiantes no respeito durante o parto que nos seria proporcionado. Meu
marido participou e participa de cada segundo da gestação, e hoje tive
que ver ele angustiado, desesperado, junto a mim, que também me vi sem
chão com essa decisão. Convivemos juntos todos os dias. Se ele tiver
Corona eu também tenho. Essa medida é inadmissível. Contra a lei. É
direito dele, meu e do nosso filho ter o pai dando suporte durante todo o
trabalho de parto e no puerpério. Revejam essa medida absurda. Nós
gestantes e nossos bebês não somos grupo de risco e tenho certeza que
outras medidas podem ser tomadas para preservar o ambiente hospitalar,
sem ferir ESSE DIREITO da parturiente de ter suporte emocional daquele
que ama. Decepcionante ver uma medida dessas ser tomada pelo
@amparomaternal, uma vez que fere todos os valores da instituição e só
desestabiliza emocionalmente todas as mães que estão já para ganhar
bebês e decidiram confiar em vcs”, publicou uma mãe.
“Estudaram
o quê? Estudaram nada. Abandonar a mulher é o melhor a se fazer para o
binômio mãe-bebê?Acompanhante que só entra pra ver bebê nascer não ajuda
em nada, não AMPARA a mulher. Não a abraça e incentiva a se movimentar
para promover um bom e evolutivo trabalho de parto. Não a ajuda a se
alimentar quando vem a dieta e ela mal pode pensar em comida naquele
momento. Isso é um desserviço e eu tenho vergonha dessa escolha que
vocês tomaram. Do abandono, do sofrimento que vocês estão promovendo —
bem nesse momento, em que já estamos todos sofrendo o bastante , para
que também nos sejam tirados nossos direitos básicos garantidos por lei.
#repúdio #lamentável”, escreveu uma doula.
Por meio de nota, a Amparo Maternal afirma que “suspendeu
a visitação em todas as dependências da maternidade e, como
acompanhantes às gestantes e parturientes, são permitidas apenas pessoas
sem qualquer sintoma como tosse, coriza ou febre. Enquanto instalamos a
mãe, o acompanhante deverá aguardar em um espaço separado, e quando ela
estiver pronta, ele poderá entrar para acompanhar o nascimento da
criança. Após o parto, pedimos que o acompanhante não permaneça no
puerpério e aguarde o momento da alta para buscar a mãe e o bebê.
Levando em conta a atual estrutura do Hospital, que atende 100% via
Sistema Único de Saúde (SUS) e realiza em média 560 partos por mês, essa
foi a melhor forma encontrada, junto ao corpo clínico, para minimizar
os riscos de contaminação durante todo o processo”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário