No Hospital Santo Antônio são 64 profissionais de saúde contaminados pela doença
Pacientes, funcionários e familiares de enfermos
internados no Hospital Santo Antônio, ligado às Obras Sociais Irmã Dulce
(Osid), relatam descaso da gerência da instituição com as medidas de
proteção contra o novo coronavírus (Covid-19). O número de profissionais
de saúde infectados pelo novo coronavírus no hospital subiu de 28 para
64, segundo dados divulgados pela própria unidade de saúde. Entre os
pacientes, o total pulou de 27 para 30 casos confirmados, com duas
mortes.
De acordo com a bacharel em direito Mariana Alves,
29 anos, que é neta de um paciente internada no hospital, a família não
recebe informações sobre o estado de saúde de sua avó de 88 anos, que
está em isolamento após ter ficado internada na enfermaria Santa Clara
no mesmo quarto com pessoas que testaram positivo para a Covid-19.
A idosa deu entrada no hospital em 21 de fevereiro
para tratar de uma infecção urinária e, de acordo com a família, ficou
internada ao lado de uma paciente que possuía sintomas do coronavírus.
Segundo Mariana, a mulher foi entubada dois dias após dar entrada na
enfermaria. Há cerca de 15 dias, sete dos oito pacientes que estavam no
quarto testaram positivo para a doença. A idosa foi a única que recebeu
resultado negativo, disse a família.
A família da paciente acredita que o hospital não
tomou as precauções necessárias para coibir a disseminação da doença na
unidade de saúde. “Quando os casos de coronavírus começaram a aparecer
em Salvador, o hospital nos informou que ninguém seria transferido para
lá. Mas todo dia chegava e saía gente. A gente pedia máscara e o
hospital negava. Um dia chegou uma moça na enfermaria com sintomas do
coronavírus, mas ela ficou no lugar sem usar proteção. Ela foi internada
do lado da minha avó e do nada foi entubada no quarto mesmo”, relatou
Mariana.
Apesar de testar negativo, a avó da jovem está
isolada no hospital. À família foi relatado que foi observada uma
alteração na tomografia da idosa e, por isso, será necessário refazer o
exame para o coronavírus. Segundo a família, o hospital não passa
informações sobre o estado de saúde da paciente e ainda parou de
permitir visitas na última segunda-feira (13).
“Ontem [quarta], a família toda foi para o hospital
para ter informações, só aí que deixaram uma prima minha visitar minha
avó. Disseram que iam nos ligar todos os dias para atualizar a situação
da minha avó, mas não ligam e, quando eu tento ligar, não me passam
informações”, contou a neta da paciente.
Uma paciente, que não quis se identificar, relatou
ter ficado pouco mais de uma mês na enfermaria Santa Clara devido a um
problema de pele. Durante o período ela relata ter sofrido com o descaso
do Hospital Santo Antônio. Ela diz ter sido uma das únicas pessoas
internadas na enfermaria a não contrair a doença.
“Eu ouvia os comentários dos profissionais de saúde
de que só três pessoas não tinham sido infectadas de cento e poucos
leitos. Quando a contaminação começou na minha ala, eu pedia máscaras e
eles diziam que não podiam me dar. Álcool em gel não tinha. Todo dia era
um paciente novo isolado.
De acordo com a paciente, o surto da doença começou
no hospital há cerca de duas semanas. Mesmo com os pacientes doentes, as
pessoas recebiam alta hospitalar sem fazer o teste para o coronavírus.
“Eles queriam esvaziar a enfermaria. Depois que eu fiz o exame, me
disseram que era para eu ir para casa, mas eu disse que ia esperar o
resultado no hospital. Eles disseram que não iam se responsabilizar por
mim, mas fiquei e só fui liberada na terça (14)”, contou a paciente que
descobriu na segunda (13) que não tinha o vírus.
Durante o tempo que passou internada, a paciente que
não quis se identificar viu o número de profissionais que atuavam na
enfermaria cair devido às contaminações pelo vírus. “Quando tive alta,
só tinham três técnicos de enfermagem e uma enfermeira na enfermaria. No
turno da noite, não tinha ninguém”, disse.
Ainda
de acordo com a paciente, os funcionários relatavam estar preocupados
com a situação. “As pessoas que estavam cuidando da gente não tinham
proteção. A proteção teve mesmo foi de uma semana para cá.Chegou a
faltar máscara para os profissionais técnicos e eles ficavam sem luva
até. Ali creio que muita gente foi contaminado por causa do descaso com o
profissional e o paciente”, pontuou.
O CORREIO conversou com um técnico de enfermagem que
atua no setor de oncologia da Osid. Após trabalhar sem a proteção
necessária, o profissional está afastado com suspeita de coronavírus. No
setor de oncologia, a situação se complicou há cerca de um mês, quando o
hospital decidiu transferir os pacientes com câncer para a enfermaria
São Lázaro.
“Minha enfermaria de oncologia é no segundo andar,
mas tiraram todos os pacientes de lá e colocaram na São Lázaro porque
disseram que a minha ia ser reservada para o coronavírus. Aí os
pacientes da oncologia ficaram em um lugar com uma cama quase colada com
a outra. A contaminação cruzada era certeza. Juntaram duas equipes de
enfermagem, aí ficou aglomerado”, disse o técnico em enfermagem.
O profissional relatou ainda que muitos colegas
estão doentes e foram afastados. Com isso, quem ainda está no trabalho
fica sobrecarregado. “Eu estou de atestado e não vou lá desde sábado,
mas sei que muitos colegas ficaram doentes. O hospital começou a testar
os profissionais nessa segunda”, disse.
Ao total, foram testados 158 funcionários. Desses,
além dos 64 diagnósticos confirmados, outros 64 foram descartados e 30
ainda aguardam resultados. No que diz respeito aos pacientes foram
realizados 111 testes, 30 confirmados, 45 descartados e 36 ainda em
avaliação.
“Esse número elevado se deve a forma como estamos
testando. Tanto funcionário quanto paciente, quando apresenta qualquer
evidência de síndrome gripal a gente testa, não estamos esperando sinais
mais graves. E estamos tomando todos os cuidados de afastamento desde o
teste, com a regulação para outra unidade, se for confirmado”, explicou
o assessor corporativo das Osid, Sergio Lopes.
O assessor afirmou que, além dos funcionários com
diagnóstico e dos que ainda aguardam resultados, outros 189 membros da
equipe foram afastados de suas funções independente de sintomas, por
estarem nos grupos de risco para a doença. Contudo, segundo a Osid, este
afastamento não está se traduzindo em mais horas de trabalho para quem
está na ativa.
“Realmente, temos algumas baixas desses
profissionais que estão afastados por estarem doentes ou esperando
resultados. Mas fizemos remanejamento de profissionais de outras áreas,
como o ambulatório por exemplo, que está fechado, sempre com atenção aos
treinamentos que tem sido uma constante. Essa ausência não se traduz
100% em sobrecarga para os que aqui estão, pelo remanejamento, e até
pelo nossos processos de seleção que está sempre ativo”, esclareceu,
reafirmando que todos os profissionais trabalham com todas as condições e
equipamentos necessários.
No hospital como um todo, os profissionais podiam
perceber que não havia uma preocupação com o isolamento de pacientes com
sintomas do coronavírus. “Teve paciente que chegou com suspeita do
vírus e eles colocaram na enfermaria junto com todos os outros leitos.
Agora, que passou na mídia, eles resolveram separar”, contou.
Por dia, a gente devia receber quatro máscaras
cirúrgicas, mas nem sempre o hospital tinha as quatro máscaras, contou o
técnico em enfermagem. “Às vezes, ficava faltando luva e álcool em gel
não nas enfermarias. O álcool normal também estava em falta”, disse.
O assessor negou a falta de material. “Em nenhum
momento tivemos falta de EPI, o que ocorre é que estamos seguindo
rigorosamente as recomendações de uso desses equipamentos dadas pelos
órgãos competentes. O que acontece é que alguns profissionais estão com
medo e querem usar desenfreadamente os equipamentos, numa quantidade
maior e a gente tá controlando para justamente não faltar”, explica
Lopes, que ressalta que, ao iniciar a jornada, cada profissional recebe
kit com os EPIs necessários e suficientes ao tempo de trabalho.
Ao CORREIO, Lopes ainda destacou a preocupação com a
possível interpretação das informações - e dos novos números - como a
confirmação de surto na unidade. “A pandemia nos preocupa, sabemos que é
algo que merece total atenção. Temos pacientes inclusive com
fragilidade e, por isso, temos essa preocupação extrema com o risco que é
para todos nós. Esse quadro de pessoas adoecendo está acontecendo em
todos os lugares. Percebemos um medo e eu acredito que é importante que
ele seja traduzido em cuidados. Então, quando se fala em surto, pode
parecer que aqui temos um ambiente hostil onde não estão sendo tomadas
todas as medidas necessários e isso não é verdade”, salientou.
Correio24horas
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