terça-feira, 9 de outubro de 2018

Hospitais públicos têm duas vezes mais mortes por sepse que particulares

Segundo estudo, taxa de mortalidade em redes públicas por infecção generalizada é de 42,2%, contra 17,7% registrada na rede particular
 
Falta de exames e diagnósticos tardios estão entre as principais causas de mortes por sepse (Foto: Wikipédia)
 
Um estudo feito em 74 hospitais de todo o país apontou que a taxa de mortalidade de pacientes com sepse (infecção generalizada) nos hospitais públicos é mais que o dobro da registrada em hospitais particulares. Segundo o estudo, taxa de mortalidade em redes públicas por infecção generalizada é de 42,2%, contra 17,7% registrada na rede particular
 
Alguns fatores podem explicar essa diferença. Entre eles, está a demora para o paciente ter acesso ao serviço de saúde, o diagnóstico tardio e o tratamento inadequado. A falta de leitos na UTI e outros recursos também são fatores que elevam esse índice.
 
A transferência do paciente com sepse para a unidade de terapia intensiva, dentro das primeiras 24 horas, está associada ao aumento de chances de sobrevivência. Porém, quem utiliza o SUS, enfrenta dificuldades nesse processo. Em hospitais públicos, pacientes permaneceram por muito tempo no pronto-socorro até a alta, ou até a morte, em 38,5% das ocasiões analisadas no estudo. Nos hospitais particulares, somente 6,2% dos pacientes ficaram no pronto-socorro até o desfecho do caso.
 
Segundo Luciano Azevedo, médico e presidente do Ilas (Instituto Latino Americano de Sepse), o fato do paciente ficar muito tempo no pronto-socorro, enquanto aguarda a transferência para a UTI, é um grande fator que contribui para o risco de morte.
 
“O paciente chega ao PS com um infarto, um AVC ou um trauma e fica à espera do leito de UTI. Se ele tiver sepse, o risco de mortalidade é maior. No PS, ele não receberá o cuidado adequado que uma UTI proporciona”, diz Azevedo, que também é um dos autores do estudo. Ao todo, 350 pacientes participaram deste estudo, atendidos em 28 hospitais públicos e 46 privados.
 
Dentro do SUS, os leitos de UTI representam menos de 10% nos municípios brasileiros e, também, há muita desigualdade segundo levantamento do CFM (Conselho Federal de Medicina).
 
Ao todo, o país possui uma média de 41 mil leitos de UTI, sendo metade deles, disponíveis para o SUS. A outra metade é destinada para a saúde privada ou suplementar (planos de saúde), que atende apenas 25% da população. Existe também a disparidade regional. O Sudeste concentra cerca de 53,4% das UTIs de todo o país. O Norte tem apenas 5%.
 
Além da falta de leitos, as emergências públicas tendem a ter uma estrutura mais precária do que as particulares. “Há escassez de recursos, são muitos pacientes para poucos profissionais”, afirma Azevedo.
 
Para o professor da Universidade Federal do Paraná e conselheiro da federação mundial das sociedades de medicina intensiva, Álvaro Réa Neto, a dificuldade de acesso aos serviços públicos é um fator que explica a disparidade dos desfechos. “Os pacientes menos favorecidos chegam mais tarde aos hospitais, quando a doença já está mais evoluída. Assim como o infarto e o AVC, a sepse é uma doença muito sensível ao tempo”, explica Neto.
 
Se não houver uma investigação e um rápido tratamento, os riscos aumentam. Recomenda-se a utilização de antibióticos nas primeiras horas de diagnóstico, mesmo antes da identificação do vírus, bactéria, ou outro agente infeccioso.
 
O infectologista Marcos Boulos, professor da USP, estranha essa disparidade de taxas de mortalidade entre os serviços públicos e privados. “Tanto há hospitais públicos e privados muito bons quanto os muito ruins, que sofrem sobrecarga, falta de leitos de UTI. Não é compreensível essa diferença”, diz Boulos.
 
No entanto, ele afirma que, nos últimos três anos, houve um aumento na falta de profissionais no SUS porque, com a crise econômica e corte de recursos na saúde, o quadro de profissionais não está sendo reposto, trazendo prejuízos à qualidade de assistência. Azevedo também diz que há a falta de capacitação dos médicos que trabalham em emergência, que, diante de sintomas como febre, fraqueza e mal-estar, diagnosticam como gripe ou infecção viral.
 
Com amigdalite e febre de quase 40 graus, a técnica de enfermagem Maria Paula, de 30 anos, passou por três serviços de saúde até ser diagnosticada com sepse. Ela já estava utilizando antibióticos, porém, a febre não cedia.
 
Nos primeiros prontos-socorros, nenhum médico solicitou exames. Ela informou que suspeitava estar com sepse, porém, o médico não deu a devida atenção e disse “já tive amigdalite pior que a sua. Dói mesmo, mas não tem o que fazer”.
 
No terceiro hospital, realizaram exames e, finalmente, Maria Paula foi diagnosticada com sepse e imediatamente internada. Um mês após sua internação, ela sofre sequelas do problema e faz acompanhamento com cardiologista. “Poderia ter morrido com esse descaso”, diz Maria Paula.
 
O Brasil apresenta uma das menores taxas de mortalidade por sepse. São 670 mil casos por ano, sendo que 50% acabam em morte, segundo o Ilas.
 
Em 2017, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a sepse como um problema de saúde mundial, com 31 milhões de casos por ano e mais de 6 milhões de mortes.
 

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