sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Modelo de saúde é do século passado, diz médico sobre cuidado a idosos

A tendência de envelhecimento da população brasileira não tem sido acompanhada de medidas que garantam os direitos desse público, sobretudo no âmbito da saúde pública. Apesar de ocupar lugar de destaque no Estatuto do Idoso – que completou 15 anos no dia 1º de outubro – a garantia de acesso à saúde é um dos itens que mais registra queixas por parte dessa população.
 
Até 2060, o Brasil terá 25% da população composta de idosos, segundo projeções do IBGE - Marcelo Camargo/Agência Brasil
 
A baixa oferta de políticas de cuidado para idosos que precisam de apoio, como os chamados centros-dia, é um dos gargalos apontados pelo presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Carlos André Uehara. Em entrevista à Agência Brasil, ele destacou a necessidade de uma rede integrada de atenção ao idoso e da formação e capacitação de profissionais para atender a demandas específicas dessa população em diferentes esferas.
 
“O idoso não é o adulto velho, assim como uma criança não recebe o mesmo cuidado de um adulto novo. É preciso treinar essas equipes que já estão em atuação com conhecimentos gerais em gerontologia, para que possam acompanhar essa população”, destaca.
 
Para Uehara, o modelo de saúde brasileiro “é do século passado”, focado em doenças agudas, infecciosas, que eram resolvidas com medicação. Hoje, entretanto, há uma prevalência de doenças crônicas não transmissíveis e que exigem um cuidado contínuo, ao longo de toda a vida.
 
Desde 2012, o Brasil ganhou 4,8 milhões de idosos superando, em 2017, a marca de 30,2 milhões de pessoas nessa faixa etária.
 
Com o aumento da expectativa de vida dos brasileiros, a previsão do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é que, em 2060, o índice de pessoas com mais de 65 anos no país passe dos atuais 9,2% para 25,5% – um em cada quatro brasileiros.
 
Confira abaixo a entrevista da reportagem da Agência Brasil com o especialista:
 
Agência Brasil: Como avaliar os 15 anos do estatuto com recorte especial para a saúde do idoso?

Carlos Uehara: O Estatuto do Idoso foi um marco. Até então, não havia visibilidade em relação ao envelhecimento populacional. A gente sempre acreditou que o Brasil era um país jovem. E ele ainda é um país jovem porque ainda não chegamos numa porcentagem alta de idosos. Como o corte mudou para 60 anos [não mais 65 anos], hoje, 14% da população, aproximadamente, é formada por idosos. É um segmento que vem crescendo rapidamente se a gente comparar ao restante da população. Como a gente não conseguiu resolver outros problemas sociais, se não nos planejarmos e nos organizarmos, a questão do envelhecimento só vai piorar alguns dos problemas que temos hoje. Um exemplo óbvio é a previdência. Outro, claro, a saúde. Os serviços de saúde não foram pensados para a população mais idosa. Temos um modelo de saúde do século passado, quando o que predominava eram doenças agudas, infecciosas, que eram resolvidas com medicação e que eram autolimitadas. Hoje, a gente tem uma prevalência de doenças crônicas não transmissíveis que exigem um modelo de cuidado que deve ser contínuo, ao longo de toda a vida. Se antes o sistema de saúde tinha que estar preparado para tratar, por exemplo, pneumonia, resfriados e meningites, agora, são doenças como pressão alta e diabetes. Doenças que a gente não trata, a gente controla. A gente não cura pressão alta. O paciente vai se manter uma pessoa com pressão alta, mas controlada. O mesmo acontece com o diabetes. Com a vinda do estatuto, isso tudo ficou mais em evidência. Foi a partir daí que a população idosa pôde pedir mais garantia de seus direitos, além de praticar seus deveres. Só temos que tomar cuidado porque, atualmente, há um momento de revisão desse estatuto. E precisamos ficar atentos para que a gente não perca direitos já garantidos.
 
Agência Brasil: É possível falar em avanços e desafios na saúde do idoso ao longo desses anos?

Carlos Uehara: O envelhecimento da população, no Brasil, é heterogêneo. As populações mais envelhecidas, hoje, pelos dados do IBGE, estão no Sul, onde se concentram os maiores índices de pessoas com mais de 60 anos. Essas cidades, daqui alguns anos, vão ter mais idosos que jovens. Em algumas delas, já existe um olhar para os centros dia, que atendem pacientes com demência, com Alzheimer, com demência vascular, entre outros, e que passam o dia realizando atividades para manter sua autonomia e sua independência. Também temos, em algumas localidades, pelo Poder Público, a abertura de instituições de longa permanência para idosos, os antigos asilos. Mas estamos falando de um avanço que não é homogêneo. Em São Paulo, por exemplo, temos isso. Já outros estados ainda precisam desse tipo de política. São algumas iniciativas, em algumas unidades federativas. Mas não é um movimento por igual no Brasil todo. Houve avanço em alguns estados, mas existem muitos outros que não evoluíram nesse sentido.
 
Agência Brasil: Quais as perspectivas no âmbito da saúde do idoso para os próximos anos?

Carlos Uehara: O estatuto trouxe à luz uma população que era muito esquecida nas suas políticas públicas. Ainda hoje, muitos políticos talvez não enxerguem a importância e o porquê cuidar dessa população. Mas o estatuto mostrou para os idosos que eles podem e devem ir atrás de seus direitos e deveres. Um dos desafios são as doenças cardiovasculares. Precisamos de políticas públicas para que a gente consiga controlar melhor os pacientes que têm pressão alta e diabetes. Temos que ir além de conseguir o fornecimento de medicações a preços acessíveis. Cuidar da saúde não é só tomar remédio. Precisamos de locais onde toda a população que envelhece consiga desenvolver atividades físicas com regularidade. Outra questão é possibilitar que a população consiga ter acesso a alimentos mais saudáveis. O consumo exagerado de industrializados, em qualquer faixa etária, não é adequado. É preciso consumir mais produtos in natura, verduras, frutas, legumes. Não é incomum encontrar idosos que passam a vida comendo macarrão instantâneo ou apenas café com leite e pão. É importante lembrar ainda que, com o envelhecimento, aumenta a incidência de doenças neurológicas, principalmente demências. Precisamos pensar em políticas para essa população. E não é só Alzheimer, um dos mais conhecidos e o mais prevalente. Também temos de possibilitar a medicação para controlar a evolução desse tipo de quadro, para controlar algumas alterações comportamentais causadas por essas doenças e possibilitar o acesso a um tratamento multiprofissional.
 
Agência Brasil: O país está preparado para oferecer esse tipo de atendimento?

Carlos Uehara: Temos aí outro desafio: ainda existem muitos profissionais em atuação e que, na sua formação, não tiveram o assunto específico sobre como cuidar do idoso. E ele tem várias peculiaridades. O idoso não é o adulto velho, assim como uma criança não recebe o mesmo cuidado de um adulto novo. É preciso treinar essas equipes que já estão em atuação com conhecimento gerais em gerontologia, para que possam acompanhar essa população. A depressão, por exemplo, tem um quadro diferente em idosos quando comparado a jovens. A equipe tem que estar atenta para identificar esses casos. Não adianta esperar que o idoso fique apático, acamado. Não é assim que a doença se manifesta nessa faixa etária. O quadro de depressão do idoso é atípico, os sintomas são diferentes. As pessoas em outras faixas etárias, normalmente, ficam mais isoladas, chorosas. O idoso deprimido nem sempre apresenta isolamento. Ele perde a vontade de viver, mas segue com a rotina. Também precisamos pensar em equipamentos diferentes no âmbito da saúde. O modelo de hoje, repito, é do século passado, baseado em hospital e médico. Temos que pensar em outros serviços que possam receber essa população. Pensar em ambulatório, hospital de retaguarda, serviços para cuidados paliativos. É preciso ter toda uma rede de atenção, com centros dias, centros de convivência, atendimento domiciliar, cuidadores e instituições de longa permanência.

Agência Brasil

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