Um médico que prestava serviço na urgência do hospital de Peniche vai responder em tribunal pela morte de uma mulher de 79 anos, a 5 de janeiro de 2015. O clínico, na altura com 66 anos (atualmente tem 69), assistiu a idosa, mas segundo a acusação mandou tarde demais fazer um exame que poderia ter evitado que ela morresse.
Família da vítima com advogados à saída do tribunal de Peniche |
A idosa, que residia em
Geraldes, no concelho de Peniche, era reformada do comércio de produtos
alimentares e morreu no hospital após ter estado cerca de dez horas na unidade
de saúde com fortes dores no peito, que a afetava nas costas, no ouvido e na cabeça.
Maria Domicília Santos deu
entrada no serviço de urgência e foi para a triagem. Foi atendida pelas 9h51
pelo médico, que às 10h41 pediu um raio-x (RX) torácico.
Pelas 11h16, o médico
observou o resultado do exame e "concluiu não haver lesões", afastando
a "hipótese de enfarte do miocárdio", apesar de no RX ser visível
existir um "alargamento do mediatismo superior".
Segundo a acusação, o
problema apontado "impunha a realização de uma TAC [Tomografia Axial
Computorizada]" e o consequente reencaminhamento da doente para a urgência
das Caldas da Rainha, por não haver TAC em Peniche.
A vítima foi mantida em
observação na urgência de Peniche, sem ser transferida para Caldas da Rainha
para efetuar o exame e, a confirmar-se o diagnóstico, poder ser sujeita a intervenção
cirúrgica.
Foi quando uma das filhas da
vítima, indignada, exigiu falar com o médico que estava a assisti-la, que pediu
a um outro médico para observá-la e que não teve dúvidas em avisá-lo de que
deveria ter sido feita uma TAC.
A TAC foi pedida pelas
18h40, assim como um ecocardiograma e uma eletrocardiograma, face à
"persistência das dores torácicas".
Só que antes do seu
transporte para o hospital das Caldas da Rainha, Maria Domicília Santos morreu
pelas 19h30, vítima de "tamponamento cardíaco [rutura de uma veia do
coração] decorrente de aneurisma coronário".
A família queixou-se de
alegada negligência médica, por entender que foi decidido tardiamente realizar
um exame que lhe poderia ter salvo a vida.
“Se não existem recursos no
hospital à altura de tratar de um problema com sintomas desta natureza, o
médico devia enviá-la para uma unidade onde houvesse, mas isso devia ter
acontecido logo durante a manhã, pelo que achamos que mais alguma coisa devia
ter sido feita”, contestou Maria Teresa, uma das filhas.
“Quando levei a minha mãe ao
hospital de Peniche o meu objetivo era que se não existissem ali os recursos, o
médico faria uma avaliação e iria enviá-la, possivelmente, para um hospital em
que houvesse”, sublinhou.
Maria Eunice, outra filha,
defendeu que “logo que a minha mãe entrou no hospital deviam ter visto aquela
dor e no máximo uma hora depois ela devia sair para outro hospital”.
A queixa que a família
apresentou chegou a ser arquivada pela Inspeção-Geral de Atividades em Saúde
(IGAS) quer também pelo tribunal na fase de inquérito. A IGAS entendeu não ser
possível atribuir responsabilidades ao profissional de saúde.
Após recurso para o Tribunal
da Relação de Lisboa o processo judicial foi reaberto, tendo o médico sido
constituído arguido. Segundo a acusação, a correta leitura do RX torácico teria
evitado a morte por negligência.
Na passada terça-feira o
julgamento deveria ter-se iniciado mas foi adiado para análise da conclusão do
processo disciplinar levantado pela Ordem dos Médicos, que decidiu arquivar o
caso, e que foi apresentado na véspera pelo arguido para ser anexado aos autos.
Por sua vez, a juíza Carla
Ginja, titular do processo, solicitou uma nova perícia ao Instituto de Medicina
Legal, a pedido do Ministério Público, e um novo parecer à IGAS, já que as
anteriores conclusões a que chegaram foram elaboradas sem o conhecimento dos
resultados da autópsia.
O julgamento só deverá
iniciar-se no próximo ano, devido aos prazos necessários para realização das
medidas pedidas e sua análise pelos intervenientes.
Rogério Santos, advogado de
acusação, disse ter ficado “satisfeito” com as diligências pedidas pelo
Ministério Público, enquanto que Adelino Antunes, advogado de defesa, afirmou
estar “esperançado” na declaração de inocência do médico.
O médico está aposentado,
mas continua a exercer na urgência de Peniche, através de uma empresa que
presta serviços ao Centro Hospitalar do Oeste.
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