segunda-feira, 24 de setembro de 2018

"Ela estava abandonada em um lugar escuro, onde se descarta material", diz pai de bebê que teve morte atestada por engano

Família resolveu divulgar o caso, que ocorreu no início de 2017, por acreditar que a instituição não está dando o apoio necessário à menina

Hospital Universitário de Santa Maria informa que o bebê aguarda transferência para instituição de Porto Alegre
Um sentimento de perplexidade e desolação acompanha o casal Marcos Renato dos Santos Cézar, 31 anos, e Tieli Martins, 32 anos, que há quase dois anos viu a filha Bianca – hoje com um ano e sete meses – nascer e, em pouco tempo, ser dada como morta. Na tarde de 6 de fevereiro de 2017, a então gestante Tieli deu entrada no centro obstétrico do Hospital Universitário de Santa Maria (Husm) com quadro que aparentava risco, o que levou a equipe médica a realizar uma cesariana de emergência. Mas essa situação teria se agravado, conforme o pai, “em decorrência de uma total imperícia e negligência médica”.

– Minha esposa foi vítima de uma sucessão de erros. Ela até teve, por cerca de dois meses, ali em 2016, quando estava grávida, acompanhamento por parte do Husm. Mas, quando o parto estava se aproximando, ela precisou ser internada. E o hospital não fez isso. Só quatro dias depois ocorreu a internação. Foi quando começou o nosso pesadelo – resume Cézar. 

Ainda na tarde de 6 de fevereiro, passada cerca de uma hora do parto, os médicos procuraram Cézar e deram o comunicado: a recém-nascida Bianca tinha morrido. Conforme Cézar, o aviso, à época, veio em um boletim com o detalhamento e entregue nas mãos do pai.

– Me deram um papel que dizia: “Parto na 34ª semana de gestação com óbito fetal, sofrimento fetal agudo, deslocamento prematuro de placenta e hipertensão gestacional". Imagina como ficou a minha cabeça? Eu tendo, em meio a tanta dor, ter de pensar em comprar caixão e enterrar a minha menina. 

Transferência para hospital de Porto Alegre

Mas, em um intervalo de seis a sete horas, naquele mesmo dia, Cézar afirma que uma médica se aproximou dele e falou que “havia chance” de Bianca estar viva. O pai acredita que o quadro agravado da criança, que sofreu sequelas no cérebro e no sistema cardiovascular, é em decorrência “de toda a negligência enfrentada” por Bianca. O bebê precisa agora ser submetido a uma cirurgia vascular, o que o Husm não oferece. Por isso a família resolveu levar o caso a público somente agora: 

– A minha mulher, durante a gravidez, estava bem. Todo esse pesadelo é, sim, uma consequência desse descaso. Quando vieram falar que ela estava viva, tentaram me aplicar que ela (Bianca) estava tendo acompanhamento médico em uma sala, em uma UTI. E eu sei que não. Ela foi dada como morta e estava abandonada em um lugar escuro, onde se descarta material. 

No fim do ano passado, a família ingressou com uma ação pedindo reparação por danos morais junto à Justiça Federal de Santa Maria. Conforme Adriano Falleiro, um dos advogados da família, a "delicada situação da saúde criança" é consequência da falta de habilidade do Husm:

– Ela ficou, das 13h às 18h daquele dia (do nascimento), no chamado expurgo, como se fosse algo descartável. E a consequência disso é que ela desenvolveu uma séria de patologias neurológicas. Há, ao que parece, a possibilidade de transferir a Bianca para um hospital da rede privada de Porto Alegre. E é o que queremos e, assim, salvar a vida dela.

"Sabe-se lá quanto tempo mais de vida ela vai ter"

De 2017 para cá, Bianca contabiliza mais de uma centena de internações em decorrência dos problemas de saúde, afirma o pai. Desde agosto deste ano, ela está em um quatro na ala pediátrica do Husm.

– Felizmente, desta vez, ela não está na UTI. Mas, sabe-se lá quanto tempo mais de vida ela vai ter. Por isso, acionamos a Justiça – diz o pai.

Documento indica o "óbito fetal"

O que diz o Hospital Universitário de Santa Maria

Por meio da assessoria de imprensa, o Husm afirma que a gravidez de Tieli apresentou complicações e que a criança apenas sobreviveu em decorrência de sucessivas manobras exitosas que possibilitaram a sua reanimação. Confira, abaixo, a íntegra da nota encaminhada pelo Husm a GaúchaZH: 

“A cesárea de urgência foi realizada dia 6 de fevereiro, quando a paciente se encontrava com 34 semanas de gestação e com quadro de pré-eclâmpsia (pressão alta). O bebê nasceu em parada cardiorrespiratória. Foram feitas todas as manobras de reanimação, conforme preconizava a Sociedade Brasileira de Pediatria, com tempo até maior do que o recomendado, e – no momento – a criança não reagiu. Foi constatado óbito fetal. O bebê foi levado para uma sala anexa ao bloco cirúrgico e, horas depois, voltou a apresentar sinais vitais. Imediatamente, foi encaminhado para a UTI Neonatal. O Hospital Universitário de Santa Maria vem dando toda a assistência necessária à criança e à família. Atualmente, ela aguarda leito em Porto Alegre para procedimento cirúrgico do qual o Husm não é habilitado. As sequelas que a criança apresenta, de acordo com a equipe médica que a acompanha, são resultantes da prematuridade do parto e da parada cardiorrespiratória, ao nascer. Ainda conforme o Husm, a recém-nascida contabiliza nove internações no hospital, desde 2017. Ao todo, ela já passou por 38 consultas. E conta com acompanhamento de uma equipe multiprofissional”.

O caso é acompanhado pelo Ministério Público Federal (MPF) que, em julho deste ano, instaurou um procedimento para apura os seguintes crimes: lesão corporal, omissão de socorro, perigo para a vida ou saúde de outrem, prevaricação e, ainda, eventual ato de improbidade administrativa. A Polícia Federal (PF) também investiga o caso, pelo fato ter ocorrido dentro de uma instituição federal. A família também registrou o caso na Polícia Civil.















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