Yasmin vive no Hospital Geral praticamente desde que nasceu; custo elevado do tratamento domiciliar é obstáculo para que a menina receba alta
Adriana Ribeiro Ferreira, 33, e Pedro Eloir Borges Vieira, 36, aguardam decisão judicial com um quarto montado para a filha Foto: Lucas Amorelli / Agencia RBS |
Quando perguntada se quer ir até a janela, Yasmin Ferreira Vieira, dois anos e sete meses, imediatamente arregala os olhos e se vira em direção à abertura. A vista da rua nos fundos do Hospital Geral (HG), em Caxias, é o único contato que ela tem com o mundo exterior. A cerca de 10 minutos de caminhada dali, em uma casa no bairro Presidente Vargas, Adriana Ribeiro Ferreira, 33, e Pedro Eloir Borges Vieira, 36, suspiram em frente a um berço vazio, imaginando quando poderão ter a filha em casa. Yasmin nasceu sem parte do cérebro. Por conta da malformação, tem dificuldade para respirar sozinha, se alimentar e pouco se movimenta, limitações devido às quais passou praticamente toda a vida hospitalizada — desde que tinha um mês de idade, ocupa um dos leitos da UTI pediátrica do HG.
Os pais da menina, porém, ainda lutam para que ela possa ser tratada em casa. O impasse é puramente financeiro, conforme o médico Marcelo Saldanha, que coordena a UTI. Para receber alta, Yasmin precisa de um ventilador pulmonar mecânico e cuidados especializados permanentes. O custo do tratamento é estimado em R$ 40 mil por mês. A família não tem condições de arcar com a despesa. Por isso, entrou com ação judicial para que o município assuma o tratamento domiciliar (leia abaixo).
— O que eu mais tenho medo é que o tempo passe e eu não consiga trazer ela para casa — lamenta Adriana.
A saída foi adaptar a rotina da família em torno da menina. Até o início de 2016, Adriana e Pedro Eloir viviam em Vacaria com os três filhos. A mãe só descobriu que estava grávida com 17 semanas, após passar pela retirada de um tumor no útero. Pelos exames, Yasmin parecia uma criança normal.
No parto, porém, as dificuldades começaram. A menina nasceu com uma abertura no céu da boca. Levou horas até que a mãe pudesse vê-la, mas a equipe a informou que bastava uma cirurgia para a correção do problema.
— Quando deu cinco dias que ela estava em casa, ela começou a perder peso — lembra a mãe.
Adriana buscou um médico, que lhe garantiu que a menina tinha de estar em uma UTI. Nesse meio tempo, Yasmin teve a primeira convulsão.
— Eu não sabia o que era isso, nunca tinha visto. Gritei para o meu marido, "Ela não está respirando!".
O pai conseguiu reanimar a menina e a família correu ao Hospital Nossa Senhora de Oliveira. De lá, Yasmin foi transferida para o Pompéia, em Caxias. Com sete dias de idade, ela lutava pela vida. Aos poucos, foi demonstrando sinais de melhora e a família já pensava em voltar para casa. Com 15 dias, porém, Yasmin passou por uma ressonância que descobriu a malformação.
— Deram prazo de um mês para ela viver. Mas, graças a Deus, ela está lutando. Todo mundo disse que ela não ia sair disso. Mas eu falava, "Ela vai, sim. Ela é forte, ela consegue". E, devagarinho, ela vai se adaptando. Eu boto ela para sentar, brinco com ela. Mas para vir para casa, precisa dessa ventilação mecânica — aponta.
"Eu entendo ela no gesto", diz mãe
Yasmin passou um mês no Pompéia e foi transferida para o HG. Foram cinco meses de viagens entre Caxias e Vacaria até que a família decidisse se mudar para perto da instituição. Até então, Pedro Eloir era operador de empilhadeira. Adriana era diarista em meio turno e fazia doces para o marido vender na empresa, para complementar a renda. Na vinda para Caxias, foram mais de seis meses de desemprego, dependendo de doações, até que o Pedro voltasse a trabalhar, primeiro numa serraria e depois como ajudante em uma empresa de transportes. Já Adriana passou a viver em função da filha mais nova.
— Fui aprendendo que a minha filha era uma criança especial e que ela teria chance de vir para casa, mas precisaria desses cuidados — lembra.
Hoje, o dia gira em torno de Yasmin: Adriana levanta às 7h30min, toma um gole de café e parte para o hospital. Por volta das 8h, entra na UTI para ver a filha.
— Eu digo, "Filhinha, mamãe chegou, cadê o beijo?". Se ela está acordada, já aperta os olhinhos, porque quer colo. E eu fico brincando com ela, estimulo, peço o que eu posso fazer de diferente para as enfermeiras — relata.
Se Yasmin está disposta, Adriana deixa a UTI apenas para voltar para casa e fazer o almoço e retorna ao hospital até as 19h.
— De noite, eu chego em casa e fico um pouco com os meus filhos. Mas falta aquela criança ali. Antes, tinha todo mundo juntinho na mesa. Podia ser só arroz e feijão na janta, mas todos nós estávamos rindo juntos. A gente não imaginava passar por tudo isso — pondera.
Os irmãos também sentem falta de Yasmin, diz a mãe.
— Eles sentem como se ela tivesse sido tirada deles. Eu tive uma gravidez com eles bem presentes. Em algumas datas, Natal, fim de ano, eles vão lá. Mas dizem, "Mãe, ela não vem para casa? Como tem criança especial que mora em casa e a nossa maninha não?" O que digo? Isso dói muito no coração.
Já é consenso entre a família que a pequena não pertence à UTI:
— Vi que cada criança ali reagia de jeitos diferentes. Eu dizia "Essa criança fica quase todo o tempo doente, mas a minha não". Ela tem uma imunidade bem mais alta, e só não vai (para casa) porque não tem o que precisa.
A mãe conta que quando a menina tem uma convulsão e precisa ser medicada, fica sonolenta naquele dia, mas no outro já está ativa.
— Ela não fala, mas eu entendo ela no gesto, se ela está braba, ou quer beijo, eu consigo entender todos os jeitinhos.
Justiça bloqueia R$ 120 mil da prefeitura para cuidados em casa
Ainda em março de 2016, a família de Yasmin entrou com ação judicial contra o município para levar a menina para casa. No início, laudos médicos apontavam que somente a aquisição do respirador bastaria para que Yasmin pudesse receber alta. Depois, porém, a equipe percebeu que a menina necessitaria acompanhamento de um cuidador 24 horas, além de visitas mensais de uma equipe multidisciplinar com fisioterapeuta, nutricionista, fonoaudiólogo e médico.
Representada pelo Serviço de Assistência Jurídica Gratuita (Saju) da UCS, Adriana chegou a conseguir o bloqueio judicial de R$ 88,5 mil das contas da prefeitura de Caxias para custear a transferência da filha e o tratamento domiciliar por três meses. Devido à tramitação do processo, no entanto, o valor foi considerado defasado e nunca foi repassado.
Em agosto do ano passado, a Defensoria Pública assumiu o caso. Desde então, indefinições sobre a forma de contratação dos profissionais necessários e dúvidas sobre a possibilidade da instalação dos equipamentos médicos na casa da família dificultaram o andamento da ação. Em uma audiência em março deste ano foi discutida, finalmente, a possibilidade de contratação de uma empresa especializada para fornecer todo o atendimento necessário.
No último dia 20 de agosto, o juiz da Vara da Infância e Juventude de Caxias, Leoberto Brancher, deferiu liminar bloqueando o valor de R$ 121.901,34 do município para o atendimento da menina em casa por três meses. De acordo com o defensor público Cláudio Luiz Covatti, agora a só falta anexar os dados da prestadora de serviços ao processo. No entanto, a prefeitura ainda pode recorrer da decisão.
— Eu acredito que até findar esse período (de três meses) o processo vai estar julgado. Aí o juiz vai estabelecer a responsabilidade do município de arcar com esse custo, com o valor que for necessário — projeta.
Enquanto corria para levar os papéis necessários à defensoria, Adriana disse ter a esperança renovada:
— Na próxima foto, espero que seja com ela saindo do hospital.
Procurada pela reportagem, a Procuradoria-Geral do Município informou em nota que já foi intimada da decisão, e que o município busca reiteradamente, através da Secretaria Municipal da Saúde, o atendimento administrativo de Yasmin. Além disso, a PGM estuda a viabilidade ou não de interpor recurso contra o bloqueio _ o prazo para entrar com recurso é de 30 dias.
No hospital, custo semelhante e leito ocupado
O coordenador da UTI pediátrica do HG, Marcelo Saldanha, avalia a doença neurológica da menina como grave, mas acredita que com o tratamento adequado ela possa ir para casa.
— O comprometimento neurológico é significativo e as limitações são graves. Mas ela fixa o olhar, conhece a mãe, esboça reações, tem um nível de interação com a família. Isso nos surpreende, a cada dia que passa, de uma forma positiva.
Foi o médico quem forneceu os laudos e conseguiu os orçamentos para estimar o valor necessário para o tratamento domiciliar de Yasmin. O montante de cerca de R$ 40 mil mensais assusta, tendo em vista as dificuldades para a gestão da saúde pública no município. Saldanha estima, porém, que o custo não esteja distante do investido para mantê-la no hospital:
— Se a gente considerar os custos de profissionais, a equipe multidisciplinar que a acompanha, dá um valor próximo disso. Eu imagino que o custo de manter ela aqui é muito próximo do de ela ir para casa.
Há ainda outro "prejuízo" oculto em manter Yasmin na UTI. Enquanto ela estiver na unidade, Caxias contará com um leito a menos para emergências. A situação é agravada por outros dois casos semelhantes de pacientes crônicos na UTI pediátrica do HG. Uma das crianças é de Caxias e não tem perspectiva de deixar o setor. A outra é de Nova Petrópolis e a família também tenta conseguir a alta por via judicial.
— Temos nove leitos e três ocupados com "moradores". Então, acabamos basicamente tendo só seis para toda a região. É a única UTI pediátrica pelo SUS para mais de 40 municípios. Com frequência é preciso compra de leitos ou um paciente acaba não conseguindo vaga porque aqui está lotado — aponta.
Por isso e pelo contato que manteve com a família, o médico espera um desfecho rápido para a situação de Yasmin:
— Eu gostaria muito que desse certo, é uma família muito presente, apesar de ser uma criança crônica. Quando é um caso assim, muitas vezes a família começa a diminuir o número de visitas. Mas o pai trabalha de dia e vem de noite, a mãe tem outras coisas e vem sempre, e eu não lembro de um dia em que um deles não esteve aqui. A gente tem certeza que eles vão cuidar direitinho da criança em casa.
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