O médico já foi preso durante a operação 'Jaleco', da PF |
Um caso de violência obstétrica cometida pelo médico obstetra Armando Andrade Araújo veio à tona nesta terça-feira, graças a um vídeo publicado nas redes sociais. Mais do que revelar um novo caso, além de outros três processos judiciais a que ele já responde, a violência praticada serviu para tirar da escuridão relatos de outras agressões que, segundo ex-pacientes, o médico teria cometido.
Desde a publicação da primeira matéria, diversas mulheres procuraram o Portal A Crítica para relatar casos semelhantes ocorrido com elas enquanto gestantes. Em comum, além dos relatos de violência física e psicológica, o nome do médico: Armando Andrade de Araújo. Procurada pela reportagem, a Polícia Civil do Amazonas orientou que outras vítimas registrem os casos nas delegacias mais próximas dos hospitais onde os crimes foram cometidos.
Antes de irem à delegacia, algumas mulheres resolveram falar com a reportagem. Uma delas foi a atendente Dreyda Miranda Martins, de 25 anos. Ainda traumatizada por relembrar da situação, ela relata que quase morreu após o procedimento cirúrgico para ter a sua segunda filha em maio de 2017. Segundo ela, o médico Armando insistiu em realizar um parto normal, mesmo ela tendo encaminhamento para fazer cesárea. Por conta do que ela considerou uma negligência, a mulher acabou pegando uma infecção hospitalar e perdeu parte da barriga.
"O caso aconteceu quando fui ter a minha neném, que hoje tem 1 ano e 10 meses. Estava com muita dor e fui para a Maternidade Azilda da Silva Marreiro. Cheguei lá com um centímetro de dilatação e o Dr. Armando me atendeu. Ele mandou eu ir para casa, porque a minha bolsa não tinha estourado. No outro dia, ainda com dor, fui parar no Instituto da Mulher e encontrei o Armando novamente. Ele disse que faria meu parto normal, mesmo com o encaminhamento de outra médica para cesárea. Ele deixou claro que sabia o que fazia com as pacientes", lembrou a atendente.
Dreyda também conta que Dr. Armando e outro médico colocaram-na no centro cirúrgico do Instituto da Mulher. No entanto, demoraram muito para fazer o procedimento médico e ela acabou pegando uma infecção. "No centro cirúrgico, o Dr. Armando e outro médico começaram a discutir, porque não queriam realizar a minha cirurgia. Mas depois de um tempo me colocaram na anestesia e o outro médico realizou a cesárea. No outro dia, minha barriga começou a arder, peguei infecção e fiquei em coma. Acordei, mas perdi um lado da barriga", lamenta a mulher.
Até agora, a atendente não tinha denunciado o médico por temer represálias. Como ela precisa passar por outra cirurgia, desta vez de reconstituição da barriga, ficou com medo de não conseguir o procedimento.
"Tive o meu primeiro filho de cesárea, porque não tinha passagem. Para o parto da segunda criança, a médica me encaminhou novamente para o procedimento (cesárea). Eu ainda não tinha denunciado, porque preciso fazer essa cirurgia e fiquei com medo de não conseguir, mas quando vi toda a repercussão deste vídeo, decidi fazer. Isso tudo me traumatizou muito. Hoje só consigo sair de casa com roupa grande e de cinta. Minha barriga ficou com tamanhos diferentes", lamentou ela.
Bolsa estourada com o dedo
Em outro caso relatado ao Portal A Crítica, uma mulher, que preferiu não se identificar por temer represálias, contou que Armando estourou a sua bolsa com o próprio dedo no dia 6 de maio de 2012 na Maternidade Ana Braga. O filho da vítima acabou nascendo com insuficiência respiratória e precisou passar por uma reanimação.
"O Dr. Armando me deu um toque tão forte que machucou muito minha vagina e estourou minha bolsa. Eu comecei a chorar e em todo tempo ele ficava reclamando. Depois que saí da sala dele com dores fui tomar medicação e percebi que estava molhada. Fui ao banheiro e constatei que minha bolsa tinha estourado devido ao toque forte que ele me deu. Falei para as enfermeiras e elas disseram para eu me acalmar", relata a mulher.
Depois que percebeu que a bolsa tinha estourado, a mulher entrou em desespero. As dores eram fortes e não tinha ninguém para atendê-la, porque o plantão de Armando tinha sido finalizado na unidade hospitalar. "Meu esposo e eu ficamos desesperados, pois estava com dores de parto desde as 2h da madrugada e isso já era entre 12h e 13h da tarde. Foi horrível e imaginava que meu filho e eu iríamos morrer, principalmente depois que este doutor fez isso comigo. Ele fez para me machucar, porque se chateou com meu nervosismo. Não tinha como eu não estar nervosa. Sou hipertensa e não havia como ter parto normal, pois eu não tinha passagem e ninguém queria fazer minha cesárea. Eu tinha plano de saúde e fiz todo o meu pré-natal nele, mas eles não liberaram a cirurgia. Precisei ir para uma maternidade pública e passar por essa humilhação", destaca a mulher.
A vítima do médico afirma que muitas mulheres passam pela mesma situação nas unidades públicas de Manaus. "Isso que contei foi apenas um caso. Essa violência acontece muito nas maternidades públicas de Manaus. É uma covardia muito grande, porque se a grávida quiser se defender, eles maltratam ainda mais. Muitas ficam caladas com medo. É revoltante. Fiquei traumatizada e com depressão pós-parto. Vivia chorando", lembrou a mulher, acrescentando que na época procurou advogados para entrar com a denúncia na Justiça contra o médico, mas desistiu.
"Eu e meu esposo procuramos advogados, mas nenhum deles deu um parecer favorável a nossa causa. Falaram que a gente era um lado mais fraco e assim não valeria a pena. Hoje quando olho para o meu filho, de 7 anos, lembro que ele poderia ter morrido", completou.
Paralisia cerebral
O pai de uma menina de 4 anos, Bruno da Silva Ambrósio, relata que a sua esposa Lisandra Oliveira Costa, também foi vítima do médico Armando no dia 12 de dezembro de 2014. Após a demora em um procedimento de cesárea, a criança acabou ficando sem oxigênio na barriga da mãe e adquirindo paralisia cerebral.
"O Dr. Armando se recusou a fazer a cesárea. Ele e outro médico ficaram discordando se faziam parto normal ou não. Mas ele negou, porque já tinha vendido todas as cirurgias cesáreas na Balbina naquele dia. Quando foram fazer o normal, perceberam que a minha mulher não tinha passagem, e tentaram fazer cesárea, mas já era tarde, porque a minha filha estava sem oxigênio", disse.
Os pais da criança só descobriram o verdadeiro diagnóstico da filha depois de meses. Ela ficou internada na Maternidade, mas os médicos não relataram o problema. "Ninguém falou nada na maternidade. Depois descobrimos que a minha filha não era normal, porque ela não olhava para cima e nem tentava falar. A pediatra diagnosticou ela com paralisia cerebral", comentou.
Bruno chegou a denunciar o caso no 1° Distrito Integrado de Polícia, na época em que o médico foi preso, mas nada foi resolvido. "Denunciamos o caso, mas a delegada mesmo falou para gente que nada iria ser resolvido, porque ele é funcionário público. Hoje a minha filha não anda, não fala, por conta da negligência dele", lamentou o pai.
Dor da cesárea
No dia 4 de janeiro de 2015, Tatiana de Jesus, de 33 anos, enfrentou um dos momentos mais complicados da sua vida. A ocasião que era para ser de alegria, por conta do nascimento do seu segundo filho, provoca até hoje lembranças terríveis nela. Uma delas é de sentir a dor de um corte de procedimento de cesárea, sem anestesia.
"Taty", como é chamada pelos mais próximos, relata que ficou 24 horas em trabalho de parto no Hospital Balbina Mestrinho. "Assim que cheguei no hospital comecei a fazer os exercícios para que meu parto fosse normal, mas não consegui atingir o nível de dilatação. O Dr. Armando muito estressado disse que faria a cesárea e me encaminharam para a sala de cirurgia. A anestesista injetou nas minhas costas, mas quando o médico pediu para eu levantar as pernas, levantei. A anestesia não funcionou e mesmo assim ele cortou, senti na hora", lembrou.
Após cortá-la e a paciente sentir, o médico ficou revoltado com a resposta da paciente. "Ele disse que era normal sentir o beslicão, mas eu não estava sentindo isso, mas sim o corte do bisturi. Injetaram novamente em mim a anestesia, mas levantei novamente a perna quando ele pediu. Mesmo assim, ele me cortou novamente e gritei muito de dor. Ele chegou a colocar a mão dentro da minha barriga", conta Tatiana.
A mulher destaca que a anestesista pediu para que o médico parasse o procedimento, pois a paciente acabaria morrendo de tanta dor. "Eu já estava chorando muito, e a anestesista pediu para eu me acalmar. Ela foi falar com o médico e deu uma sugestão de um remédio, que me apagou por completo. Quando retornei, depois de horas, vi meu esposo segurando o meu filho nos braços. Mas depois fiquei com depressão pós-parto e até hoje tenho duas cicatrizes horríveis na barriga", finaliza Taty.
Denúncias
Procurada pela reportagem, a delegada Débora Mafra, titular da Delegacia Especializada em Crimes contra a Mulher (DECCM), explicou que as mulheres que foram vítimas de violência pelo médico devem procurar uma unidade policial.
"A mulher precisa fazer a denúncia no Distrito Integrado de Polícia (DIP) mais próximo do hospital onde o crime foi cometido. Se foi no Balbina Mestrinho, devem procurar o 1º DIP", explicou a delegada, acrescentando que até casos que foram cometidos há anos podem ser registrados.
"Não interfere em nada a data do crime. O importante é denunciar e saber quantas outras mulheres sofreram este tipo de violência", concluiu a delegada.