sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

SP tem 95 médicos denunciados por abuso e nenhum registro cassado

Em 2018, foram 58 denúncias de abuso ou assédio envolvendo 45 médicos

O jaleco branco, as conversas no consultório e o acompanhamento com determinada frequência estabelece uma relação de confiança entre médicos e pacientes. Em diversos casos, porém, profissionais se aproveitam dessa proximidade para abusar ou assediar sexualmente dos pacientes. Segundo o Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo), no ano passado foram registradas 58 denúncias de abuso ou assédio envolvendo 45 médicos.


Em 2017, foram registrados 65 relatos envolvendo 50 profissionais. O Conselho informou que as denúncias variam quanto ao teor e a gravidade. No entanto, em nenhum dos dois anos houve cassação do registro do médico acusado. Embora o registro oficial possa parecer baixo em um universo de 143 mil profissional que atuam no Estado, o número considerado subnotificado por especialistas e pelo próprio órgão. “Existem muitos casos que nunca vamos tomar conhecimento porque não são denunciados e acabarão impunes”, Regina Maria Marquezini Chammes, médica e conselheira.

A fundadora do grupo Vítimas Unidas, que teve início para dar apoio psicológico e jurídico às mulheres abusadas pelo médico Roger Abdelmassih, Vana Lopes afirma que o Conselho Regional de Medicina e a Justiça não tem ideia da real dimensão do problema. “Em determinado momento a vítima tem que encarar o agressor e quando ocorre exposição pública elas temem um linchamento”, diz ela. “Temos que ser sinceras com as vítimas e contar como é o processo da denúncia.”

O número oficial de denúncias de assédio e abusos sexuais envolvendo médicos nos dois últimos anos é de 123 casos. Mas a subnotificação é grande. “Não existe violentador de uma mulher só, existem assediadores.” Vana afirma que por meio do grupo de vítimas há dois casos em que tenta coletar testemunhas. Segundo ela, um ginecologista de Campinas teria assediado quatro mulheres e um psiquiatra de Vinhedo, que teve o registro cassado e continua exercendo a profissão ilegalmente, teria abusado de garotos e homens. “Tenho 13 vítimas, mas na delegacia há apenas uma”, afirma Vana.

Segundo a fundadora do grupo e também vítima de estupro por parte de Roger Abdelmassih, um dos casos mais conhecidos do país, Vana afirma que, apesar das dificuldades, houve um encorajamento nos últimos anos. “Quando uma vítima denuncia, as demais se sentem mais seguras para fazer o mesmo”, diz. “Ainda mais quando se trata de um abusado ‘dourado’, muito poderoso.”

Regina afirma que, na maior parte dos casos, há uma relação prévia entre o profissional e a vítima. “O paciente é conhecido do médico e é surpreendido pelo assédio”, diz. “As vítimas não esperam e tendem a acreditar que aquilo não ocorreu. Isso faz com que o assediador repita o ato. O paciente, explica a conselheira, se sente em uma situação de exposição e fragilidade diante do médico.

As denúncias por assédio ou abuso envolvendo médicos costumam chegar ao Cremesp de duas formas diferentes: por meio de relatos diretos aos conselheiros ou por boletins de ocorrência da polícia. “Muitas mulheres sentem medo de denunciar pela falta de provas”, diz Regina. “Elas tendem a pensar: quem sou eu perto de um médico. E sofrem com receio do descrédito das autoridades.”

Embora o conselho de São Paulo não tenha registrado um aumento no número de casos, Regina explica que uma das maiores dificuldades é a falta de provas contra o abusador. Para contornar esse obstáculo, os conselheiros podem utilizar o número elevado de denúncias das vítimas. “Isso se torna uma forte evidência”, diz. No caso do médico cardiologista denunciado pelo Ministério Público de São Paulo, o Cremesp decidiu suspender cautelarmente o exercício da profissão porque entendeu que ele representava um perigo para a sociedade.

Investigação

Para denunciar um médico por abuso ou assédio sexual, o paciente precisa relatar o caso ao Conselho ou em uma delegacia. Com isso, o relato se torna uma sindicância e volta para a cidade onde ocorreu. Os delegados do Cremesp passam a investigar o caso e ouvir testemunhas. É aberta, então, uma câmara de sindicância com dois conselheiros e quatro delegados para tomar uma decisão.

Caso sejam encontrados indícios de infração ao código de ética médico, um novo conselheiro passa a coletar provas para o fato. O processo vai, então, para julgamento com o objetivo de se obter uma sentença. “Ele pode ser considerado não culpado ou culpado e apenado”, diz Regina.

Quando o médico é considerado culpado, ele pode ser penalizado de diferentes formas: com uma advertência reservada, apenas ele e o denunciante tem conhecimento da pena, por uma censura reservada, uma censura pública, divulgada, inclusive, em meios de comunicação, com uma suspensão de exercício temporário ou com a cassação do exercício profissional. Em muitos casos, o caso pode seguir para o Conselho Federal de Medicina. “Alguns médicos podem até conseguir anular a sentença por meio de liminar judicial.”

Após tomar conhecimento do suposto abuso, o órgão tem cinco anos para julgar o profissional acusado. O Cremesp possui 22 delegacias regionais para atender as vítimas em São Paulo. Apesar das dificuldades em formalizar as denúncias, Vana, do grupo de vítimas, afirma que depoimentos de vítimas de crimes prescritos são fundamentais. “Elas podem entrar como assistentes de acusação para que o julgador identifique como o assediador age. Isso facilitaria o processo.”


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