Na manhã desta quarta-feira (20), pacientes aguardam por horas em uma recepção lotada pelo atendimento. Denúncias abrangem desde procedimentos médicos errados até falta de medicamentos
Rosiclei, de azul, ao lado da nora Adrielli, denunciam uma transfusão de sangue errada, realizada no filho que trata leucemia |
Rosiclei Alves Sampaio, 33, é faxineira, não escreve, não lê e não soube o que fazer quando o filho, internado no Hospital Regional Rosa Pedrossian, para tratamento de leucemia, sofreu uma parada cardíaca. Mas ela garante que, apesar das dificuldade de entender termos médicos, em um ponto não tem dúvidas: o filho piorou depois de receber uma transfusão de sangue errada no hospital. O caso, relatado nesta quarta-feira (20), é apenas a ponta de um iceberg que indica um cenário caótico em um dos maiores hospitais do Estado.
Fachada do Hospital Regional Rosa Pedrossian, em Campo Grande |
“Está entubado, o estado é grave”, conta a esposa Adrielli Torquetti, 27, que é pedagoga. “O paciente de hemato não pode receber transfusão quando está com febre”, explica ela sobre o precedimento questionado pela família. Com base no que diz ter ouvido da equipe médica, Adrielli afirma que o marido sofreu um choque térmico quando o sangue, gelado, atingiu o organismo que estava com a temperatura elevada.
Outra questão apontada pela família é a falta de medicamentos. A orientação é que os próprios pacientes providenciem, por exemplo,o medicamento “Filgram” e em número elevado, pois “é caro e pode faltar”.
Nos corredores do Hospital, não falta história de atendimento feito "pela metade". Dariane Araújo, 24 anos, acompanha o tratamento de câncer de pulmão da filha há um ano. Ela conta que a menina teve que realizar uma quimioterapia “de um tipo diferente”, mas não conseguiu realizar o procedimento no HR.
O pintor Cleber Ferreira de Carvalho, 45, acompanha a prima, internada por uma cirurgia de vesícula. Antes de conseguir uma vaga, ela esperou dois dias no corredor, em uma maca, deitada em um colchão precário. “O colchão é muito fino, não tem conforto nenhum, estava passando muito mal”.
Ovo todo dia, é o que comem os pacientes do HR, contou a promotora de vendas |
De São Paulo, a promotora de vendas Elaine Otilingr, 44, acompanha o pai em Campo Grande, internado há 20 dias depois de um AVC (Acidente Vascular Cerebral). A alimentação? “Todos os dias a mistura é ovo”, conta. “Desde que cheguei aqui é só isso, no andar a gente comenta”. Quando o pai estava na ala amarela, precisou de um antibiótico, que não tinha no hospital, garante.
Nesta manhã, quem precisou agendar uma consulta no hospital, encontrou a recepção lotada, filas enormes e confusão. Além disso, o ar condicionado do local enche um balde de água que transborda sem qualquer arrumação. Assim, a água chega aos pés de quem espera. É o que relatou a motorista Cleia dos Santos, 50, que está por ali desde às 9h.
“Teve muita fila desde cedo, tem muitas pessoas que chegaram cedo, que vieram de manhã. A fila saiu lá fora e foi longe. Tem só três moças para atender e estava lotado. Ainda não fui atendida, vim só fazer um agendamento”, relata.
Balde que recebe a água que sai do ar condicionado. A água transborda e atinge o piso onde as pessoas aguardam consulta
Segundo ela, o trabalho “é tanto”, que as funcionárias que trabalham na recepção fizeram um abaixo-assinado, colheram assinaturas durante a manhã e pretendem apresentar o documento ao diretor do hospital. “Uma moça, agora que entrou no guichê para encaminharem para a sala de consulta, chegou às 5h. Não vem ninguém, é um descaso. Quando eu cheguei aqui estava na senha 9 e a minha é 34”.
Abastecer a farmácia – Na última sexta-feira (15), o juiz José Henrique Neiva de Carvalho e Silva, substituto da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande, atendeu a pedido do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) e determinou, liminarmente, que o governo estadual e a Fundação de Serviços de Saúde abasteçam, em até 30 dias, as farmácias do Hospital.
A liminar, conforme destacou o MPMS, prevê multa diária de R$ 50 mil caso as farmácias não recebam todos os medicamentos, insumos e reagentes que se encontram com o estoque zerado ou em situação crítica na CAF (Farmácia Central), nas Farmácias Satélites (no Centro Cirúrgico, do Pronto Atendimento Médico e na Oncologia), bem como na Central de Abastecimento Farmacêutico e no almoxarifado (depósito) do HR.
Em recepção lotada, pacientes aguardam atendimento no Hospital Regional |
Ainda no início de fevereiro, um paciente internado depois de ter sido picado por uma cobra teve os rins paralisados e precisou de hemodiálise. O reagente necessário para indicar se os rins voltaram a funcionar estava em falta. A ausência de creatinina no hospital foi relatada pela tia do paciente.
No mesmo dia, funcionários apontaram que no almoxarifado principal haveria material vencido e, na farmácia de quimioterapia, um equipamento no valor de R$ 10 mil estava armazenado de forma incorreta. Isso porque o aparelho teria de ser guardado em local refrigerado e o local onde estava não tinha ar condicionado.
O Hospital Regional está sob nova direção. O cirurgião gastroenterologista Márcio Eduardo de Souza Pereira, que trabalha há 17 anos no local, assumiu o Hospital no início de janeiro. Ele assumiu com a promessa de “passar um pente-fino” na estrutura, que amarga investigações por fraude em licitações e denúncias de falta de estrutura.
A reportagem solicitou uma entrevista com o novo diretor do hospital à assessoria de imprensa do hospital, mas foi informada da indisponibilidade do médico, que estaria em uma reunião durante toda a manhã.
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