Organização médica defende que não se assine documento que restrinja atuação no parto |
RIO - Uma resolução do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) publicada na última quarta-feira está criando polêmica entre defensores do parto humanizado. O texto proíbe que médicos que atuem no estado assinem “documentos que restrinjam ou impeçam sua atuação profissional, em especial nos casos de potencial desfecho desfavorável materno e/ou fetal”, numa referência indireta aos conhecidos “planos de parto”, em que as mulheres expressam suas preferências com relação ao procedimento, direito previsto em lei estadual em vigor desde 2016.
De acordo com o Cremerj, a resolução 293/2019 não proíbe os “planos de parto”, e portanto não contraria a lei 7.191/2016, que dispõe sobre o direito ao parto humanizado na rede pública de saúde do Rio de Janeiro. Seu objetivo, afirma Raphael Câmara, conselheiro do Cremerj e relator da resolução, é proteger a vida de mães e bebês, ao mesmo tempo em que salvaguarda os médicos de serem constrangidos a assinar “planos de parto irresponsáveis”, elaborados por pessoas sem qualificação, sob ameaça de ação judicial se não forem cumpridos.
Com a resolução, o médico pode dizer que não vai assinar esses planos porque não está permitido pelo conselho — resume. — Não está sendo proibido nada que seja ponderado e responsável, que é a maioria das situações. Adotamos a resolução por causa de uma minoria que provoca muitos problemas nos plantões de maternidades públicas e privadas, colocando a saúde da mulher e da criança em risco, com planos propostos por pessoas leigas cheias de maluquices. Ativistas vêm denunciando direto na Justiça quando os médicos não assinam ou cumprem esses planos irresponsáveis, chamando isso de “violência obstétrica”.
Ainda segundo Câmara, foi diante desse tipo de ameaça que o Cremerj se viu obrigado a agir com a edição da medida:
A resolução é redundante. Tudo o que está ali tem no Código de Ética Médica. Só fizemos isso para deixar claro para o médico que ele não deve aderir a documentos que coloquem em risco a vida do paciente, casos em que é obrigado a agir independente do desejo do paciente.
Não é essa, porém, a interpretação dos defensores do parto humanizado. Para eles, a resolução pode restringir a expressão, e principalmente o cumprimento, da vontade das parturientes, bem como abrir uma brecha para infringir a lei estadual sobre o assunto.
O impacto maior da resolução vai ser sobre a mulher, que vai ver cerceado seu direito de optar por um parto mais respeitoso — considera Flavia Penedo, que atua como doula, assistente de parto que não tem necessariamente uma formação médica. — O plano nada mais é que um direito da mulher de fazer escolhas informadas sobre seu parto e as intervenções que podem ser usadas no procedimento, algumas delas agressivas e praticadas indiscriminadamente e de forma rotineira, devido ao viés intervencionista da formação médica.
Manobra não recomendada
Penedo cita como exemplos disso a episiotomia, corte na região de períneo (área muscular entre a vagina e o ânus) para ampliar o canal de parto, e a manobra de Kristeller, em que o médico ou um assistente faz pressão na parte superior do útero para “empurrar” o bebê para fora — que, apesar de proibida pela lei estadual e não recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), ainda é praticada por alguns profissionais —, além da administração do hormônio ocitocina para estimular contrações.
Essas intervenções têm justificativa em alguns casos e momentos, mas infelizmente elas são feitas de forma rotineira — conta. — Defendemos que, se necessárias, elas devem ser consentidas pela mulher de maneira informada sobre sua finalidade, riscos e consequências. Não é proibir o médico de realizá-las. Nenhuma mulher em sã consciência vai impedir que o médico atue em caso de risco para ela ou o bebê.
Opinião similar à da psicóloga, doula e consultora de amamentação Patrícia Ramos, para quem a resolução do Cremerj é “absurda”.
Essa resolução não tem motivo de ser, pois o “plano de parto” consiste de informações que são direitos de escolha da mulher como gestante e responsável — diz. — Em nenhum momento um plano de parto proíbe o médico de fazer qualquer coisa que seja para salvar a vida da mãe ou do bebê. Só tem medo quem não age certo. Até para o médico se resguardar é bom ele assinar. O Cremerj parece estar querendo ficar acima da lei.
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