Esquema de superfaturamento e desvio de dinheiro era realizado em diversas áreas, como limpeza, alimentação, vigilância e, até mesmo, exames de sangue. Quadrilha era formada por família que expandiu negócios a partir de fraudes.
Esquema que desviava dinheiro de exames de sangue é maior do que o imaginado |
O esquema de corrupção que assola o Hospital Albert Schweitzer, na Zona Norte do Rio, envolve mais que os serviços de exames de sangue e de vigilância. Segundo o Ministério Público, a alimentação servida na unidade também é fonte de superfaturamento. No total, oito empresas realizavam desvio de dinheiro na unidade.
Em um escritório vazio na Barra da Tijuca, Zona Oeste da cidade, funciona a Dágu Alimentos, uma empresa que descobriu na alimentação hospitalar uma fonte milionária de faturamento. Antes, ela funcionava como uma modesta loja de móveis, mas mudou de ramo para se tornar a principal fornecedora da Organização Social (O.S) Cruz Vermelha do Rio Grande do Sul, investigada pelo Ministério Público.
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A Dágu Alimentos é responsável pelas refeições de pacientes do hospital Albert Schweitzer. Segundo o ministério público, o valor do contrato é de quase R$ 22 milhões. Os promotores descobriram que antes a empresa se chamava Tetibela Móveis e Decorações, que não tinha empregados cadastrados junto ao Ministério do Trabalho e que seus sócios nunca tiveram qualquer experiência no ramo de alimentação.
O MP encontrou provas de que, uma semana antes dos sócios transformarem a Tetibela em Dágu eles receberam um termo de referência de prestação de serviços de alimentação hospitalar.
Quando a movimentação financeira da Dágu foi analisada, os promotores constataram que dos R$ 22 milhões que a empresa recebeu da O.S. Cruz Vermelha, quase 20% foram sacados na boca do caixa – quase R$ 4,2 milhões retirados pelos sócios em dinheiro vivo.
O MP diz que o dinheiro sacado em espécie vem do superfaturamento da alimentação do hospital. O que era pago a mais, era sacado em dinheiro e distribuído entre os donos da empresa e da organização social.
Os promotores afirmam ainda que os saques eram feitos no valor de até R$ 49 mil. Isso porque as operações financeiras de empresas, a partir de R$ 50 mil, têm que ser comunicadas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Entre janeiro e agosto do ano passado, o MP identificou 23 saques nos valores entre R$ 45 mil e R$ 49 mil.
Boa parte do dinheiro, segundo o MP, foi sacada por Alexandre Pereira Cardoso, um dos sócios da Dágu. Em uma ligação telefônica obtida durante a investigação com autorização judicial, Alexandre orienta o pai a não ultrapassar o limite de rastreio do Coaf.
- Alexandre: Agora olha só Pai...
- Pai: Fala...fala!
- Alexandre: ...Você não tinha que sacar isso de uma vez só não.
- Pai: porque?
- Alexandre: Pô, porque você vai ter que declarar no Banco Central,pô!
- Pai: ...Eu falei com o Rodolfo...diz que não... que é a mesma coisa.
- Alexandre: Mesma coisa p... nenhuma Pai...mesma coisa nada... 49 toda vez.
- Pai: Ah...então vou ligar para segunda-feira que eu não quero... Comunica tu com ele então.
- Alexandre: Oh Pai...não adianta...se tu já reservou, já foi.
- Pai: É?
Em outra ligação, também gravada com autorização da Justiça, Alexandre pede para uma funcionária preencher um cheque no limite da fiscalização.
- Alexandre: Tem cheque da Dágu Santander assinado lá, não tem?
- Funcionária: Tem, tem sim.
- Alexandre: Aí tu preenche... É 49 mil, e bota nominal a ele, por favor.
Alexandre Pereira Cardoso foi preso em dezembro na Operação Calvário, que investigou esses desvios do dinheiro da saúde pela Organização Social Cruz Vermelha do Rio Grande Do Sul. Segundo o MP, entre os meses de outubro de 2016 e agosto de 2018, ele foi pessoalmente responsável pelo saque, em espécie, de R$ 1.389 milhão das contas bancárias da Dágu Alimentos.
Segundo o MP, a quadrilha cresceu em família e expandiu negócios. O cunhado de Alexandre, Rodrigo de Andrade Bicalho, administra outra empresa que também presta serviço para o Albert Schweitzer, a Andrades Gestão, contratada por R$ 12,5 milhões para fazer a limpeza do hospital.
A relação pessoal e profissional deles era muito próxima. Em uma ligação telefônica, Alexandre pede que um funcionário leve pacotes de dinheiro para a empresa do cunhado, a Andrades, que fica dentro de um shopping.
- Alexandre: Tá...deixa eu falar uma coisa pra você...todo o envelope que tá aí do pessoal lá do hospital e daí tá aonde?
- Funcionário: Tá comigo, na minha sala.
- Alexandre: Tá, então você bota isso tudo num envelope, grampeia tudo e dá... pede pro Jonathan aí que eu vou pedir pra ele deixar lá no [shopping] Nova América.
- Funcionário: Tá beleza.
- Alexandre: Tá? Não precisa falar pra ele o que é nada não Eduardo, entendeu? (...)
- Alexandre: eu não quero que mais um saiba desse negócio de ficar pegando dinheiro aí.
- Funcionário: Tá beleza.
- Alexandre: Entendeu? Grampeia...oh só...o Alexandre pediu pra tu...eu vou falar com ele...deixa que eu vou falar que tu vai entregar um envelope pra ele aí... dá tudo num envelope?
- Funcionário: Acho...vai ficar volumoso, mas dá...entendeu?
- Alexandre: Tá...pede pra ele...pra ele entregar lá, ou então tu faz dois envelopes pô! Pra não ficar muito volumoso.
- Funcionário: Ah...então tá...mas o problema é que eu tô sem envelope aqui,né?
- Alexandre: Faz o seguinte...tem saco plástico isso?
- Funcionário: Tem...tá...tá.
- Alexandre: Ele não tá em bolsa? Ele não tem mochila?
- Funcionário: Tem...tem...
- Alexandre: Ele não tem mochila, ele?
- Funcionário: Tem.
- Alexandre: Então fala assim oh: o Alexandre mandou tu entregar isso aqui lá na...pra Débora.
- Funcionário: Tá beleza.
Rodrigo Bicalho, da Andrades, também está preso. No dia 12 de janeiro, um mês depois das prisões, a Andrades abandonou o hospital levando tudo embora, até papel higiênico. Para fazer a limpeza, a administração teve que contratar gente às pressas.
O MP afirma que no Hospital Albert Schweitzer, o esquema de superfaturamento e desvio de dinheiro envolveu oito empresas contratadas pela O.S. Cruz Vermelha. Todas agiam sempre do mesmo jeito: cobravam a mais pelo serviço e sacavam a diferença em dinheiro. Os promotores envolvidos na investigação calculam que a quadrilha embolsou mais de R$ 15 milhões da saúde pública do Rio em menos de dois anos.
Enquanto o dinheiro do hospital é desviado, pacientes sofrem com a precariedade do atendimento, enquanto funcionários são sobrecarregados para manter o atendimento aos paciente.
“Eles diminuíram o quadro de funcionários. Os técnicos geralmente estão ficando com oito pacientes. Um lado de uma enfermaria que ficavam seis técnicos está trabalhando com três. Outro lado de uma enfermaria que ficava com cinco, trabalhando com três agora”, contou uma funcionária.
“Minha mãe, depois da cirurgia, teve que ficar numa tal de sala amarela que e um depósito de doentes. É uma sala que tem mais de 50 doentes na maca sem preparo nenhum, minha mãe, com 75 anos, não pode nem ficar com acompanhante. Deu uma infecção minha mãe teve um choque séptico e veio a falecer ontem. Nem na minha casa foram avisar que minha mãe tinha falecido e nem me ligaram. Eu que vim aqui por acaso e soube que minha mãe tinha falecido”, desabafou a filha de uma paciente.
A Secretaria Municipal de Saúde disse que a paciente estava na sala vermelha e que recebeu todos os cuidados. Afirmou ainda que os pacientes com doenças infectocontagiosas ficam internados em isolamento e que está à disposição da família da vítima para esclarecimentos.
A defesa de Alexandre Pereira Cardoso e de Rodrigo de Andrade Bicalho disso que os dois têm total interesse em esclarecer os fatos da denúncia e elucidar o mais rápido possível os questionamentos levantados.
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