"Cala boca, senão vou te tirar da sala e não vou te atender. Seu caso não é de médico, é de psiquiatra. Só louco para estar gritando assim, você não está com dor para isso", disse médica à ginasta brasileira de 17 anos que morreu por negligência.
Jackelyne da Silva morreu aos 17 anos (imagem: reprodução) |
“Cala boca, senão vou te tirar da sala e não vou te atender. Seu caso não é de médico, é de psiquiatra. Só louco para estar gritando assim, você não está com dor para isso tudo.”
A frase acima, direcionada à ginasta Jackelyne da
Silva, de 17 anos, foi dita em janeiro deste ano por uma médica que
atendia na ‘UPA 26 de agosto’, em São Paulo. Dois dias depois, Jackelyne
não resistiu e morreu, vítima de sucessivas negligências médicas.
A Polícia Civil de São Paulo instaurou um inquérito
para investigar a morte de Jackelyne. A atleta faleceu no dia 16 de
janeiro de 2019, mas até agora ninguém foi responsabilizado.
Jackelyne era atleta do Esporte Clube Pinheiros
desde 2010. A ginasta chegou a defender a seleção brasileira nas
categorias de base. Ela entrou na categoria adulta em 2017 e batalhava
para conseguir um espaço na equipe principal do país.
Na época da morte da atleta, A Confederação
Brasileira de Ginástica disse, em nota, que lamentava “profundamente o
precoce falecimento da ginasta” e que se solidarizava com os familiares
naquele momento de dor. A Federação Paulista de Ginástica afirmou, por
sua vez, que “o céu ganhou uma estrela brilhante”.
Hoje, quem lida com a dor diariamente e busca
forças para lutar por Justiça são os pais da ginasta, Marco Antonio
Gomes da Silva e Graciele Soares da Silva.
O que aconteceu?
No dia 10 de janeiro, seis dias antes de morrer,
Jackelyne foi levada à UPA “26 de agosto” pela primeira vez. “Naquele
dia, ela levantou de um colchão e teve um mal súbito. Na queda, bateu a
cabeça e a lombar e teve uma convulsão. Demos uma fruta a ela para ver
se melhorava, mas ficou sonolenta e teve outra convulsão. Chamamos um
Uber e fomos para a UPA”, conta a mãe da ginasta.
“Na UPA ela tomou remédio para dor. Mesmo falando
que tinha caído e teve convulsão, bateu a cabeça, não pediram exames.
Liberaram para ir embora depois da medicação. No dia 11, ela não
reclamou, mas no dia 12 voltamos para a UPA e para o hospital Planalto.
Foi a mesma coisa. Chegava, falava o que aconteceu e cada médico dava
mais remédio e mandava embora. Sem exame de sangue, sem raio-X, sem
nada. Jack já não conseguia andar sozinha, só de cadeira de rodas e com
ajuda”, lembra Graciele Soares.
“O dia 14 foi o pior na UPA. Pegamos a pior médica.
Minha filha chegou aos berros, não aguentava de dor. A doutora gritou:
‘Cala boca, senão vou te tirar da sala e não vou te atender. Seu caso
não é de médico, é de psiquiatra. Só louco para estar gritando assim,
você não está com dor para isso tudo’. Ela não levantou da cadeira para
examinar minha filha, não encostou nela. Ela receitou duas injeções de
Diazepam. Eu falei para fazer exame, mas nada. Nem para botar o
aparelhinho para escutar os batimentos dela”, acrescenta a mãe de Jack.
Despedida
Jackelyne voltou ao hospital no dia 15 acompanhada
do pai, que estava de folga do serviço. “No dia 15 chegamos antes das
11h no hospital Planalto e ficamos até mais de 19h. Fizeram uma
tomografia e o resultado foi uma lesão no cóccix. Teve um momento que eu
fiquei uma hora e meia esperando atendimento e não tinha ninguém, nem
paciente e nem quem pudesse atender a minha filha. Ela me pediu um
abraço, não conseguia mais mexer as mãos. Ela estava se despedindo de
mim. Ela pediu para irmos embora, porque não iam nos atender e ela
sentia muito cansaço. Voltamos para casa”, conta o pai, Marco Antonio.
“Dia 16 ela acordou cedo e chamou a irmã mais nova.
Ela se despediu e passou a senha do celular. Ela sabia que estava indo
embora. Ela me pediu para ir ao banheiro, mas não conseguiu fazer nada.
Dei um banho nela e ela teve outra convulsão. Saímos às pressas. Ela
ainda respirava, mas muito fraquinho. Chegamos na UPA e levaram ela para
dentro. Fiquei esperando, uma agonia. Só contaram que minha filha
estava morta quando meu esposo chegou”, lembra Graciele.
Justiça
O Pinheiros, acusado pelos pais de Jack de
abandonar a menina nos meses que antecederam a morte dela, afirmou que
os atletas são orientados a entrar em contato imediatamente com o clube
em casos de problema de saúde.
O Clube Pinheiros tentou romper legalmente o
contrato com Jackelyne em dezembro de 2018 — a atleta era preterida nos
treinos depois de lesionar o quadril e não conseguir se recuperar
completamente. No entanto, quando Jack morreu o contrato ainda não havia
sido desfeito.
Os pais de Jack alegam que nunca souberam
exatamente se o Clube Pinheiros oferecia algum tipo de benefício à sua
filha — como possibilidade de receber atendimento médico em local
particular. Graciele e Marco afirmam que jamais tiveram acesso ao
contrato assinado com o clube.
A delegada Áurea Aubanez, do 32º Distrito Policial
de Itaquera, afirma que sete médicos estiveram envolvidos no atendimento
da atleta. Os nomes dos profissionais não podem ser revelados para não
atrapalhar as investigações.
Jackelyne vivia com os pais e cinco irmãos no
bairro de Itaquera, em São Paulo. A ginasta ajudava com as despesas de
casa e tinha Daiane dos Santos como espelho. A jovem foi enterrada com o
ouro conquistado nas barras paralelas assimétricas junto à seleção
brasileira no Campeonato Sul-Americano de Ginástica, na Bolívia em 2016.
Um laudo divulgado há 2 meses aponta que a menina morreu por infecção
decorrente de pneumonia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário