domingo, 12 de maio de 2019

Após a maternidade, mulheres viram doulas para ajudar outras mães

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Amor incondicional, responsabilidade sem fim, cobrança constante, aperto nas finanças. Todos sabem que a maternidade muda a vida de uma mulher. Mas algumas mães vão além. Seja para dividir suas experiências incríveis ou evitar que outras passem pelos mesmos traumas,muitas mulheres acabam optando por ajudar novas mães.

Foi assim com Mariana Noronha, 38 anos, que deixou a carreira de assistente-executiva de uma rede de supermercados para estar com outras mulheres no parto. Primeiro de forma voluntária, dando conselho e apoio, e depois como doula. Hoje, ela é categórica ao dizer que não voltaria ao trabalho anterior.

“Eu tinha que ajudar outras mulheres. Não podia ganhar na loteria e não dividir o prêmio”, brinca, referindo-se à sua segunda gestação, que terminou com um parto natural, como ela sempre havia Sonhado.

Prática ainda em expansão, a doulagem não envolve nenhum procedimento médico. Consiste em apoio físico e emocional antes, durante e depois do parto. A ajuda pode vir por meio de palavras de encorajamento, abraços, massagens, um olhar ou uma dica para relaxar por meio da respiração, por exemplo.

Cada doula trabalha de um jeito. O serviço pode ser feito de forma voluntária ou mediante pagamento, que fica em torno de R$ 2.000 a R$ 3.000, segundo profissionais ouvidas pela reportagem. O acompanhamento pode ser feito desde o início da gestação ou perto do parto, e em alguns casos a ajuda continua após o nascimento do bebê.

Para assumir a atividade como profissão, Noronha fez o curso de doula,que ela classifica como básico,mas fundamental para acompanhar partos em hospitais. As unidades que permitem o serviço costumam fazer um cadastro apenas com doulas que fizeram o curso —para parto domiciliar não é necessário.

Não foi apenas a necessidade de compartilhar alegrias que levaram Noronha à doulagem, mas também as dificuldades no nascimento do primeiro filho, há sete anos. Sem conhecer o trabalho das doulas, ela se planejou para um parto normal, mas acabou não conseguindo.

“Ainda na maternidade, começou a cair a ficha de que aquilo estava esquisito, e eu passei a pesquisar para entender. Foi assim que descobri que a cesárea era desnecessária no meu caso e descobri a humanização do parto. Engravidei logo depois e falei: ‘é a minha vez, vou mergulhar de cabeça’.”

O processo foi semelhante com Janie Paula, 35 anos, que conheceu o serviço de doulagem após sofrer violência obstétrica em seu primeiro parto, também uma cesárea que julgou desnecessária.

“Eu tinha 16 anos, o médico falou que o bebê não ia passar e me levou para a cesárea. Ninguém entrou comigo, e os médicos fizeram piada na hora da cirurgia”, conta. “Meu pós-parto foi horrível. Tive depressão, crise de labirintite e hoje vejo que foi a não digestão de um evento traumático.” Ela afirma que só entendeu o que tinha ocorrido quando pesquisou o assunto para seu segundo parto, 12 anos depois —dessa vez, um nascimento domiciliar, com doula e parteira.

Foi o encantamento com a segunda maternidade que fez Paula procurar o curso de doula. Renunciou à carreira em cinema e publicidade, que exigia 12 horas diárias, e também às viagens, para estar à disposição das mães. Após cinco anos, já contabiliza 400 partos.

Um deles foi o da publicitária Tatiana Tsukamoto, 35 anos, que teve o primeiro filho há sete meses. “A doula não tem olhar médico ou técnico, mas tem um papel muito importante, que é o do apoio emocional. Desde a 25ª semana ela explicava como seria, a gente falava das expectativas”.

Mariana Saba Utimati, 36 anos, também optou por uma doula em seu parto,há oito meses,repetindo em São Paulo a experiência que teve na primeira gestação, em Cingapura. “As conversas e exercícios foram fundamentais para dar motivação e confiança. É um grande diferencial ter suas vontades respeitadas no pior momento de dor da sua vida. Uma doula e um obstetra pró-parto humanizado é a receita para um parto feliz”,afirma Utimati.

Laysa Duch, 38 anos, que acompanhou Utimati, também se tornou doula após um parto complicado em sua primeira gestação, ainda na adolescência. Fisioterapeuta e acupunturista, ela decidiu não trocar de profissão, mas unir os dois interesses: adaptou esses serviços na doulagem e hoje trabalha com gestantes e puérperas.“Eu fazia o que gostava, mas não era o que me preenchia. No curso [de doula], eu tratei todas as amarguras que guardei por 21 anos. Falei para mim mesma: ‘é isso o que eu quero, é isso que eu procurei a vida inteira’.”

PAIS INCENTIVAM PRESENÇA DE DOULA
Não achei que fosse tão importante pagar alguém para me ensinar a respirar”.A frase se refere ao serviço da doula Laysa Duch, mas não foi dita pela mãe, que dava à luz,e sim pelo pai,que acompanhava o nascimento do segundo filho. “Achei que fosse morrer”, disse ele. De acordo com Duch, o pai acompanhou o trabalho de parto repetindo as recomendações que ela dava à gestante.

Doulas ouvidas pela reportagem afirmam que os homens estão mais abertos ao trabalho delas durante o parto, seja por vontade própria ou como forma de respeitar o desejo da mulher. “A doula não tira o lugar do marido, ela apenas amplia o olhar do médico para um olhar mais sensível”, afirma a doula Janie Paula.

Mariana Saba Utimati conta que a presença da doula também foi importante para seu marido. “É muita carga emocional .A gente já tinha tido uma doula no parto do nosso primeiro filho, então ele sabia o valor dela no processo.”

VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA PROVOCA DEBATE

O Ministério da Saúde emitiu um despacho na terça-feira (7) em que defende abolir de políticas públicas o termo “violência obstétrica” de normas e políticas públicas.

Em 2017, texto publicado pelo órgão definiu esse tipo de violência como aquela que ocorre na gestação ou no parto, podendo ser “física, psicológica, verbal, simbólica e/ ou sexual”, citando também negligência, discriminação e condutas desnecessárias.

O ministério afirma agora que o termo é inadequado.A justificativa dada foi que, na definição da OMS (Organização Mundial da Saúde), a violência estaria associada a intencionalidade, “independentemente do resultado produzido”.

Especialistas contestam a mudança. Para a médica Sônia Lansky, excluir o termo pode soar como censura institucional.“É um problema de grande relevância em saúde pública. É uma violência estrutural.”





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