SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Amor incondicional, responsabilidade sem
fim, cobrança constante, aperto nas finanças. Todos sabem que a
maternidade muda a vida de uma mulher. Mas algumas mães vão além. Seja
para dividir suas experiências incríveis ou evitar que outras passem
pelos mesmos traumas,muitas mulheres acabam optando por ajudar novas
mães.
Foi assim com Mariana Noronha, 38 anos, que deixou a carreira de
assistente-executiva de uma rede de supermercados para estar com outras
mulheres no parto. Primeiro de forma voluntária, dando conselho e apoio,
e depois como doula. Hoje, ela é categórica ao dizer que não voltaria
ao trabalho anterior.
Eu tinha que ajudar outras mulheres. Não podia ganhar na loteria e não
dividir o prêmio, brinca, referindo-se à sua segunda gestação, que
terminou com um parto natural, como ela sempre havia Sonhado.
Prática ainda em expansão, a doulagem não envolve nenhum procedimento
médico. Consiste em apoio físico e emocional antes, durante e depois do
parto. A ajuda pode vir por meio de palavras de encorajamento, abraços,
massagens, um olhar ou uma dica para relaxar por meio da respiração, por
exemplo.
Cada doula trabalha de um jeito. O serviço pode ser feito de forma
voluntária ou mediante pagamento, que fica em torno de R$ 2.000 a R$
3.000, segundo profissionais ouvidas pela reportagem. O acompanhamento
pode ser feito desde o início da gestação ou perto do parto, e em alguns
casos a ajuda continua após o nascimento do bebê.
Para assumir a atividade como profissão, Noronha fez o curso de
doula,que ela classifica como básico,mas fundamental para acompanhar
partos em hospitais. As unidades que permitem o serviço costumam fazer
um cadastro apenas com doulas que fizeram o curso para parto domiciliar
não é necessário.
Não foi apenas a necessidade de compartilhar alegrias que levaram
Noronha à doulagem, mas também as dificuldades no nascimento do primeiro
filho, há sete anos. Sem conhecer o trabalho das doulas, ela se
planejou para um parto normal, mas acabou não conseguindo.
Ainda na maternidade, começou a cair a ficha de que aquilo estava
esquisito, e eu passei a pesquisar para entender. Foi assim que descobri
que a cesárea era desnecessária no meu caso e descobri a humanização do
parto. Engravidei logo depois e falei: é a minha vez, vou mergulhar de
cabeça.
O processo foi semelhante com Janie Paula, 35 anos, que conheceu o
serviço de doulagem após sofrer violência obstétrica em seu primeiro
parto, também uma cesárea que julgou desnecessária.
Eu tinha 16 anos, o médico falou que o bebê não ia passar e me levou
para a cesárea. Ninguém entrou comigo, e os médicos fizeram piada na
hora da cirurgia, conta. Meu pós-parto foi horrível. Tive depressão,
crise de labirintite e hoje vejo que foi a não digestão de um evento
traumático. Ela afirma que só entendeu o que tinha ocorrido quando
pesquisou o assunto para seu segundo parto, 12 anos depois dessa vez,
um nascimento domiciliar, com doula e parteira.
Foi o encantamento com a segunda maternidade que fez Paula procurar o
curso de doula. Renunciou à carreira em cinema e publicidade, que exigia
12 horas diárias, e também às viagens, para estar à disposição das
mães. Após cinco anos, já contabiliza 400 partos.
Um deles foi o da publicitária Tatiana Tsukamoto, 35 anos, que teve o
primeiro filho há sete meses. A doula não tem olhar médico ou técnico,
mas tem um papel muito importante, que é o do apoio emocional. Desde a
25ª semana ela explicava como seria, a gente falava das expectativas.
Mariana Saba Utimati, 36 anos, também optou por uma doula em seu
parto,há oito meses,repetindo em São Paulo a experiência que teve na
primeira gestação, em Cingapura. As conversas e exercícios foram
fundamentais para dar motivação e confiança. É um grande diferencial ter
suas vontades respeitadas no pior momento de dor da sua vida. Uma doula
e um obstetra pró-parto humanizado é a receita para um parto
feliz,afirma Utimati.
Laysa Duch, 38 anos, que acompanhou Utimati, também se tornou doula após
um parto complicado em sua primeira gestação, ainda na adolescência.
Fisioterapeuta e acupunturista, ela decidiu não trocar de profissão, mas
unir os dois interesses: adaptou esses serviços na doulagem e hoje
trabalha com gestantes e puérperas.Eu fazia o que gostava, mas não era o
que me preenchia. No curso [de doula], eu tratei todas as amarguras que
guardei por 21 anos. Falei para mim mesma: é isso o que eu quero, é
isso que eu procurei a vida inteira.
PAIS INCENTIVAM PRESENÇA DE DOULA
Não achei que fosse tão importante pagar alguém para me ensinar a
respirar.A frase se refere ao serviço da doula Laysa Duch, mas não foi
dita pela mãe, que dava à luz,e sim pelo pai,que acompanhava o
nascimento do segundo filho. Achei que fosse morrer, disse ele. De
acordo com Duch, o pai acompanhou o trabalho de parto repetindo as recomendações que ela dava à gestante.
Doulas ouvidas pela reportagem afirmam que os homens estão mais abertos
ao trabalho delas durante o parto, seja por vontade própria ou como
forma de respeitar o desejo da mulher. A doula não tira o lugar do
marido, ela apenas amplia o olhar do médico para um olhar mais
sensível, afirma a doula Janie Paula.
Mariana Saba Utimati conta que a presença da doula também foi importante
para seu marido. É muita carga emocional .A gente já tinha tido uma
doula no parto do nosso primeiro filho, então ele sabia o valor dela no
processo.
VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA PROVOCA DEBATE
O Ministério da Saúde emitiu um despacho na terça-feira (7) em que
defende abolir de políticas públicas o termo violência obstétrica de
normas e políticas públicas.
Em 2017, texto publicado pelo órgão definiu esse tipo de violência como
aquela que ocorre na gestação ou no parto, podendo ser física,
psicológica, verbal, simbólica e/ ou sexual, citando também
negligência, discriminação e condutas desnecessárias.
O ministério afirma agora que o termo é inadequado.A justificativa dada
foi que, na definição da OMS (Organização Mundial da Saúde), a violência
estaria associada a intencionalidade, independentemente do resultado produzido.
Especialistas contestam a mudança. Para a médica Sônia Lansky, excluir o
termo pode soar como censura institucional.É um problema de grande
relevância em saúde pública. É uma violência estrutural.
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