A organização criminosa é suspeita de reutilizar equipamentos que deveriam ser descartados após os procedimentos
Os três médicos presos na manhã desta sexta-feira (03/05/2019), durante a quinta fase da Operação Mr. Hyde,
que investiga a Máfia das Próteses no Distrito Federal, são suspeitos
de contratar uma gráfica para fraudar lacres de materiais hospitalares.
Segundo as investigações, a organização criminosa reutilizava
equipamentos que deveriam ser descartados após as cirurgias.
Os procedimentos, que custavam entre R$ 100 mil e R$ 200 mil, eram
feitos em uma clínica localizada em Sobradinho. A empresa está em nome
dos funcionários, mas era dirigida pelos três profissionais de saúde
detidos. O trio usado como “laranja” também acabou atrás das grades. O Metrópoles apurou que um deles é Robson Carlos dos Santos. O nome da gráfica não foi revelado.
“O fornecimento de material para cirurgias ortopédicas e
neurocirurgias vem sendo feito no DF mediante pagamento de propina”,
destacou o delegado da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) Adriano
Valente.
Além das cirurgias, os investigados abriram uma empresa que fornecia
órteses, próteses e materiais especiais, as chamadas OPMEs, para
hospitais e clínicas do DF a preços superfaturados. A lista de
clientes e a estimativa de lucro da organização criminosa serão
levantadas no decorrer da investigação, após a análise dos materiais
apreendidos.
"Os médicos se especializaram em cirurgias desnecessárias e malsucedidas
para gerar a necessidade de outros procedimentos. Ao final dessas
intervenções, notamos é que a qualidade de vida dessas pessoas cai
drasticamente. A maioria vive à base de medicamentos como morfina,
perdem a mobilidade e precisam de tratamento psiquiátrico. É uma
investigação de grande relevância"
Para se ter uma ideia do alto rendimento dos investigados, a PCDF
detalhou os valores de dois dos produtos vendidos por eles a preços
exorbitantes.
A quadrilha comercializava o parafuso canulado, usado em cirurgias
ortopédicas, por R$ 2,5 mil. O preço real é R$ 140. Outro valor que
chamou atenção foi da âncora de fio, cujo preço de mercado é de R$ 180,
mas era vendida pela quadrilha por R$ 4,1 mil.
A Coordenação Especial De Combate à Corrupção, ao Crime Organizado e
aos Crimes Contra a Administração Pública (Cecor) apura até mesmo se os
produtos são de origem lícita ou provenientes de descaminho, quando não
há pagamento de imposto.
"A eficácia desse material que eles utilizavam nem sequer pode ser
comprovada. Levantamos, ainda, que os médicos faziam procedimentos que
não existem na medicina, como “queima de tendões"
Demissão
A Polícia Civil vai notificar o Conselho Regional de Medicina sobre as
condutas dos profissionais. O médico suspeito de liderar o grupo alvo
desta quinta fase da operação trabalhava como ortopedista em um hospital
particular da Asa Norte. Por determinação judicial, a polícia não
divulgou os nomes dos investigados.
Ele foi demitido em 2017, após a direção suspeitar de atos
ilegais. Além de na clínica de Sobradinho, os policiais cumpriram buscas
em uma clínica do Sudoeste. Ao menos nove pessoas ainda estão sendo
investigadas.
Médicos contrataram gráfica para fraudar lacres de material
Planilha da propina
Os médicos entraram na mira da PCDF ainda em 2016, na primeira fase da
Mr. Hyde. Os nomes dos ortopedistas constavam em uma planilha de
pagamentos de propinas. Eles recebiam uma porcentagem em dinheiro em
troca da indicação da empresa TM Medical, que pertence a Johnny Wesley
Gonçalves Martins, como fornecedora de materiais em suas cirurgias. À
época, Martins foi apontado como líder do esquema criminoso. O grupo
teria movimentado milhões de reais em cirurgias, equipamentos e
propinas.
Há casos de pacientes que foram submetidos a procedimentos desnecessários, como sucessivas cirurgias. Dessa forma, os suspeitos tinham mais lucro. Em outras situações, conforme revelado pelas investigações, eram utilizados produtos vencidos e feita a troca de próteses mais caras por outras baratas.
Com a prisão dos líderes da quadrilha, os médicos abriram essa nova
empresa, em Sobradinho, para reproduzir o modus operandi da TM e seguir
com os lucros. Na manhã desta sexta-feira (03/05/2019), a Cecor
apreendeu cerca de 3 mil ampolas de anabolizantes, R$ 70 mil em espécie e
documentos que podem indicar que os suspeitos abriram uma farmácia para
lavar o dinheiro do esquema. A drogaria funciona em Sobradinho e está
registrada em nome do pai de um dos médicos.
Prisões e mandados de busca
Seis mandados de prisão temporária e 15 de busca e apreensão foram
cumpridos nesta quinta fase da Mr. Hyde. Um veículo da marca Porsche,
modelo Cayenne, está entre os bens apreendidos. O carro, avaliado em R$
130 mil, está em nome da empresa A&C Clínica Médica Ltda.,
localizada em Sobradinho.
Também foram feitas buscas no Sudoeste, na Asa Sul, na Asa Norte e em São Paulo. Na capital paulista, foi preso um dos testas de ferro da quadrilha.
Desde que o caso veio à tona, com a deflagração da primeira fase, em
1º de setembro de 2016, 150 vítimas do esquema procuraram a polícia para
prestar depoimento. Os relatos incluem mutilações e tentativa de
homicídio, segundo consta no inquérito policial. Naquela data, 13
pessoas foram presas, incluindo médicos acusados de participar do esquema.
Memória
Em outubro de 2016, o alvo da segunda
fase da Mr. Hyde foi o Hospital Daher. De acordo com as investigações, o
dono da unidade de saúde, José Carlos Daher, teria participação ativa no esquema.
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) chegou a
pedir a prisão temporária dele por suspeita de destruição de provas,
mas a solicitação foi negada pela Justiça. No entanto, o empresário, de
71 anos, foi detido por posse ilegal de uma pistola de uso restrito do
Exército e das polícias Federal e Militar.
Na terceira fase da Mr. Hyde, a polícia prendeu o médico Fabiano Duarte Dutra por suspeita de atear fogo a documentos que poderiam servir como provas. Após a prisão, ele foi exonerado do cargo de coordenador de Ortopedia da Secretaria de Saúde do DF. Na época, a pasta informou não haver indícios de que as práticas ilegais também ocorressem na rede pública.
Em novembro de 2016, foi deflagrada a quarta fase. A operação foi
acompanhada pela Corregedoria da PMDF. Os investigadores cumpriram dois
mandados de busca e apreensão e dois mandados de condução coercitiva em
cumprimento à decisão da 2ª Vara Criminal de Brasília.
Eles apuraram a atuação dos médicos Marcelo Gonzaga Peres e Marco
Antônio Alencar de Almeida, integrantes do plano de saúde da PMDF. Os
envolvidos tinham participação direta na concessão de autorizações para
cirurgias pelo plano de saúde.
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