segunda-feira, 6 de maio de 2019

MPF pede na Justiça correção de irregularidades nos programas de Residência Médica da UFU

Ação aponta jornadas de trabalho excessivas, falta de médicos preceptores para orientar residentes nos pós-operatórios dos pacientes e até a falta de registro, nos prontuários, dos procedimentos adotados durante o atendimento médico
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública para obrigar a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) a adotar uma série de medidas que garantam o cumprimento das normas que constam do Regimento Interno dos Programas de Residência Médica realizados no Hospital das Clínicas (HC) e na sua Faculdade de Medicina.

De acordo com o MPF, foram constatadas diversas irregularidades na residência médica do HC-UFU, como falta de médicos preceptores para orientar residentes nos pós-operatórios dos pacientes, falta de registro e/ou inserção de informações inverídicas, nos prontuários, quanto aos procedimentos adotados durante o atendimento médico, assim como falta de uniformidade nas condutas dos plantonistas.
 
Verificou-se também abuso de poder na relação dos preceptores com os médicos residentes [para que estes assumam condutas das quais discordam], jornadas de trabalho exaustivas [acima das 60 horas/semanais regulares] e ausência de uma programação específica para as atividades de enfermagem, ocorrências que, somadas, para o MPF, comprometem a prestação do serviço, "lesando o direito à saúde daqueles que necessitam de atendimento médico gratuito, efetivo e humanitário pautados em diretrizes médicas".
 
"Algumas irregularidades podem até ser vistas sob o prisma da organização administrativa do serviço, mas outras, claramente, impactam no próprio tratamento do paciente", afirma o procurador da República Cléber Eustáquio Neves, autor da ação.

"É o caso, por exemplo, da omissão de uma informação por um residente, preceptor ou plantonista nos prontuários, que prejudica a continuidade do tratamento pelos outros profissionais que vão assumir o atendimento".

O procurador diz que as irregularidades, constantes nos últimos anos, já levaram até pacientes à morte. Um desses casos ocorreu em 9 de junho de 2014, com a morte de uma criança de apenas oito anos. Os profissionais envolvidos – duas médicas do programa de residência do HC/UFU, uma técnica de enfermagem, uma enfermeira e uma farmacêutica da mesma unidade – foram denunciados pelo MPF em 2016 por negligência no atendimento.

A investigação demonstrou que a morte do paciente decorreu da administração, pelos profissionais, de dosagem de cloreto de potássio quatro vezes maior do que o recomendado pela literatura médica, conforme sindicância realizada pelo próprio HC/UFU. Também foram comprovadas falhas na supervisão do trabalho das médicas residentes, uma vez que o médico preceptor, profissional preparado e contratado pela unidade hospitalar para acompanhar, avaliar e convalidar os diagnósticos dos alunos do programa de residência médica, não estava presente no dia do ocorrido.

Irregularidades – Em janeiro de 2016, a pedido do MPF, o Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRMMG) efetuou sindicância no HC-UFU para apurar denúncias feitas por médicos residentes quanto às condições do programa.

O relatório apontou casos em que, diante de uma dúvida sobre qual procedimento adotar, os médicos residentes, na ausência do preceptor, recorriam aos médicos plantonistas contratados pelo HC/UFU. Ocorre que esses médicos não têm ligação alguma com o programa de Residência Médica mantido pela unidade hospitalar, contrariando a norma segundo a qual o acompanhamento deve ser sempre discutido com os preceptores e não com médicos assistenciais.

Houve relatos também de avaliações de pós-operatório feitas somente por residentes, cuja pouca experiência já teria ocasionado eventos adversos em pacientes.

Os fiscais do CRMMG também relataram a falta de alguns protocolos que respondem pela uniformidade de conduta entre os plantonistas, situação que tem gerado o prolongamento indevido de internações e até mesmo tratamento inadequado de pacientes, e condutas antiéticas por parte de alguns profissionais médicos no sentido de omitir ou inserir informações que não retratam a verdade em prontuários, a exemplo de eventuais sopros cardíacos e resultado de ecocardiograma com disfunções valvares graves, impedindo que outros médicos, como os anestesiologistas, tenham acesso a tais informações.

O relatório também confirmou as jornadas de trabalho exaustivas, muito além das 60 horas/semanais regulares previstas pelo contrato de residência médica, em especial na área de Cirurgia.

Para o procurador da República, se o artigo 11 do Regimento Interno do Programa de Residência Médica da Faculdade de Medicina da UFU prevê que são deveres dos médicos residentes dedicarem-se com zelo e senso de responsabilidade ao cuidado dos pacientes, "é evidente que relatar as condutas prévias em prontuários é um dever não só dos estudantes como de seus preceptores, pois esses registros constituem um guia para o tratamento e a falta dessas informações pode causar graves consequências para o paciente".

O MPF ressalta que todas essas irregularidades deveriam, obrigatoriamente, ser denunciadas e investigadas, pois é o que determina o artigo 57 do Código de Ética Médica do Conselho Federal de Medicina, segundo o qual deixar de fazê-lo constitui falta grave.

"Ao contrário disso, o que vemos ao longo dos anos é que as atividades de preparação e qualificação dos médicos residentes não vêm atendendo corretamente à regulamentação feita pelo Regimento Interno dos Programas de Residência Médica da UFU, sem que sejam tomadas quaisquer providências por parte dos diretores da Faculdade de Medicina para regularizarem a situação", afirma Cléber Neves.

Pedidos – Em setembro do ano passado, o MPF recomendou ao reitor da UFU a publicação de um ato normativo com regulamentações que pusessem fim às irregularidades.

"No entanto, mesmo admitindo tais irregularidades e assumindo o compromisso de corrigi-las, até o presente momento, quase quatro meses depois, a resposta que nos foi enviada não passou de retórica", afirma Cléber Neves. "As medidas recomendadas pelo MPF não foram implantadas pelas chefias dos Programas de Residência Médica do HC/UFU e nem pelo Coreme, o que nos obrigou a procurar em juízo a solução dos problemas, de modo a resguardar a segurança no atendimento aos pacientes".

Na ação, o Ministério Público Federal pede que a Justiça obrigue a UFU a publicar, no prazo máximo de 30 dias, regulamento que faça cumprir todas as normas previstas nos diversos atos normativos que regem a Residência Médica e o próprio exercício da medicina.

Entre as regras a serem expressamente elencadas estão a previsão da obrigatoriedade de avaliação clínica médica de todos os pacientes internados, ao menos uma vez ao dia, em todas as unidades do HCU, com o devido registro físico ou eletrônico no prontuário, indicação clara do nome do médico e seu CRM; obrigatoriedade de registro no prontuário, físico ou eletrônico, do resultado de todos e quaisquer exames realizados no paciente, com indicação expressa do profissional responsável pela avaliação; e publicação de escalas de trabalho para todos os profissionais que atuam no HC e unidades a ele vinculadas, que obedeçam ao limite de 60 horas semanais, incluídas as 24 horas de plantão.

A ação pretende garantir também ampla transparência às escalas de trabalho de todos os profissionais envolvidos no atendimento de pacientes atendidos e internados no HC-UFU, incluindo as escalas de trabalho semanal de cada médico preceptor e docente com os respectivos nomes dos médicos residentes sob sua orientação, por meio de publicação no site institucional e as devidas atualizações, em tempo real, para as hipóteses de eventuais alterações.

A ação foi distribuída para a 3ª Vara Federal de Uberlândia e recebeu o nº 1002918-65.2019.4.01.3803.
 
MPF 



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