Laudos do MP comprovam contenção no leito, uso de cela forte, infiltração e condições de higiene inadequadas
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), por meio da
Promotoria de Justiça de Proteção ao Idoso e à Pessoa com Deficiência do
Núcleo Campos, ajuizou ação civil pública (ACP) para que o Hospital
Abrigo Dr. João Viana, que atende pacientes com transtorno psiquiátrico
no município de Campos, não receba novas internações até que tenha
condições adequadas para atender aos seus internados.
De acordo com laudos produzidos pelo Grupo de Apoio Técnico
Especializado (GATE/MPRJ), a unidade hospitalar possui, entre outros
problemas, instalações com infiltração, condições de higiene
inadequadas, déficit de pessoal, adoção de procedimentos irregulares,
como contenção no leito e uso de cela forte, e pacientes internados em
desacordo com a política antimanicomial adotada no país.
O Hospital Abrigo Dr. João Viana é referência de internação
psiquiátrica nos municípios de Campos, Macaé, São Francisco de
Itabapoana, São Fidélis, São João da Barra, Conceição de Macabu,
Quissamã e Carapebus. A denúncia de irregularidades foi registrada na
Ouvidoria Geral do MPRJ e encaminhada para a Promotoria de Justiça de
Proteção ao Idoso e à Pessoa com Deficiência do Núcleo Campos.
Em função disso, foi instaurado inquérito civil para apurar o
descumprimento da Lei 10.216/01, que regulamenta a proteção de pessoas
com transtorno mental no país e foi editada para mudar o paradigma do
serviço de saúde prestado às pessoas com transtorno mental, até então
focado na exclusão e marginalização do paciente e centrado na
internação.
Hospital atende 80 pacientes de Campos e outros 35 municípios (Foto: Silvana Rust) |
Com base nos relatórios do GATE/MPRJ, o MPRJ requereu a título de
tutela de urgência as seguintes medidas a serem cumpridas pelo hospital
demandado: a proibição de novas internações, sob pena de multa de R$ 10
mil por novo paciente; a redistribuição dos pacientes atuais para
atender o quantitativo de seis por enfermaria; a estruturação de sala
para contenção clínica nos moldes do que diz a Resolução COFEN nº
427/12; apresentação da relação de pacientes internados há mais de um
ano com a indicação de alta hospitalar, e de internados por ordem
judicial; e a contratação de terapeuta ocupacional e de profissionais no
quantitativo estabelecido pela Portaria MS nº 251.
Posição do Hospital
Por meio de nota, a Liga Espírita de Campos, mantenedora do hospital
informou que não foi notificada sobre a ação, nem o que a motivou. A
liga esclareceu que provocou o MP em 2015 sobre a “impossibilidade de
cumprir as diversas portarias ministeriais, devido, única e
exclusivamente ao descumprimento do contrato e da legislação por parte
dos poderes públicos local, Estadual e Federal. A denúncia da Liga ao MP
foi feita com o propósito de prevenir responsabilidades e prover a
conservação e ressalva dos seus direitos”.
A Liga acrescentou que relatou ao MP, na época, que não tinha mais
condição de manter equipes de profissionais, técnicos e pessoal de
apoio em número e qualidade suficiente para tratar, cuidar e proteger os
pacientes com desequilíbrios mentais diversos, o que comprometia, não
apenas a qualidade dos serviços, mas a própria segurança e integridade
física dos pacientes e até mesmo dos próprios profissionais envolvidos.
A mesma denúncia foi feira à Secretaria Municipal de Saúde, ao
Conselho Municipal de Saúde e à Câmara Municipal de Campos e, segundo a
Liga, nenhuma entidade se manifestou.
Sobre o uso de celas fortes e a contenção de pacientes no leito, com
faixas de algodão, relatadas pelo MP, a Liga esclareceu que essa prática
é recomendação das próprias Portarias Ministeriais.
A Liga finaliza cobrando uma posição das autoridades públicas: “O
Hospital Abrigo Dr. João Viana, de pronto, não aceita qualquer medida
que venha restringir a internação de pacientes que não seja acompanhada
de real solução para os pacientes que se encontram sob seus cuidados sem
ter para onde encaminhá-los. As autoridades públicas, quaisquer que
sejam, não podem obrigar o HAJV a continuar funcionando
deficitariamente, principalmente porque as dificuldades de oferecer o
atendimento minimamente adequado são de inteira responsabilidade do SUS e
seu gestor local que não cumprem o contrato nem a lei”.
Posicionamento da Prefeitura de Campos
“A secretaria municipal de Saúde está acompanhando esse processo e
tem fortalecido a sua rede de saúde mental. É uma política do governo
federal a redução de internações psiquiátricas, conforme previsto na Lei
10.216, que ficou conhecida como Lei de Reforma Psiquiátrica. Os casos
são referenciados para os serviços do Programa de Saúde Mental, de
acordo com a indicação clínica, ou seja, de acordo com a necessidade de
cada caso. O município conta com os Centros de Atenção Psicossocial
(Caps) e, nos últimos dois anos, foram criados os ambulatórios de saúde
mental, que atendem os usuários com depressão e histórico de tentativa
de suicídio ou ideação suicida e, nestes casos, há todo um
acompanhamento para esta demanda. Na última convocação de concursados,
feita pela prefeitura este ano, profissionais foram encaminhados para
estes equipamentos de Saúde Mental.
Os ambulatórios de saúde mental funcionam em duas unidades de
atenção básica, que são a UBS Alair Ferreira, no Jardim Carioca, e a do
Parque Imperial. Estes serviços contam com equipe multiprofissional,
composta por médico, psiquiatra, psicólogo, assistente social,
enfermeiro, técnico de enfermagem. As pessoas são acolhidas e
acompanhadas de acordo com a indicação.
Em casos de emergência, a população pode recorrer ao telefone 192.
Através dele, o paciente é encaminhado para o Pronto Socorro
Psiquiátrico (PU Psiquiátrico) e passa por avaliação. De lá, é
encaminhado aos dispositivos da rede de saúde mental para acompanhamento
(Caps). Quanto à cobrança feita pela Liga Espírita, vale ressaltar que
o município não é réu na ação. O MP ajuizou a ação contra o Abrigo João
Viana e não contra a Secretaria de Saúde de Campos”.
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